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A pregação dos pioneiros presbiterianos no Brasil: uma análise preliminar

Alderi Souza de Matos

RESUMO

O presente artigo analisa a importância do discurso verbal no protestantismo em geral e na tradição reformada ou calvinista em particular. Mais especificamente, trata de alguns aspectos relacionados com a pregação dos primeiros pastores e missionários presbiterianos que atuaram no Brasil. O artigo inicia com algumas considerações acerca do tema na história do movimento reformado, tanto europeu quanto norte-americano, com ênfase especial ao puritanismo. Em seguida, são abordados vários aspectos referentes à formação recebida pelos primeiros missionários presbiterianos que trabalharam no Brasil e a influência que exerceram sobre as primeiras gerações de ministros nacionais. O enfoque principal do estudo recai sobre a prática da publicação de sermões nos primeiros tempos da obra presbiteriana no Brasil, como um meio de suprir com material homilético de boa qualidade as igrejas isoladas e carentes de obreiros do interior. O artigo se detém de modo especial no levantamento de um antigo periódico evangélico brasileiro voltado especificamente para a publicação de sermões, o Púlpito Evangélico (1888-1900), produzido pelos missionários da Igreja do Sul dos Estados Unidos, a PCUS. Sem entrar na análise homilética e teológica dos sermões propriamente ditos, a pesquisa destaca as principais características do valioso periódico e faz uma classificação temática de quase 150 sermões nele publicados.

INTRODUÇÃO

Desde o século 16, a ênfase à palavra falada e escrita tem sido um dos elementos mais distintivos da mentalidade protestante. Em contraste com o catolicismo, com a sua grande complexidade simbólica e ritualística, a espiritualidade protestante clássica é despojada, comedida, austera. Carentes de outras formas de expressão, os protestantes acabaram dando uma ênfase maciça à comunicação verbal através de seus escritos, de seus hinos e de suas pregações. A antipatia da mentalidade protestante pelo ritual pode ser vista até mesmo na área sacramental. Além de aceitarem apenas dois sacramentos, os herdeiros da Reforma dão ênfase não aos elementos materiais em si (pão, vinho, água), mas ao seu significado espiritual, e o fazem por meio de muitas explicações, de um discurso elaborado.

Mais especificamente, os protestantes valorizam a “Palavra”, isto é, a Escritura Sagrada. Outra vez em contraste com a Igreja Católica, que baseia as suas convicções no tripé composto por Escritura, Tradição e Magistério, o protestantismo se concentra de modo especial na Bíblia, embora não deixe de ter as suas próprias formas de tradição e magistério eclesiástico. A Escritura se torna, no universo protestante, o ponto focal da teologia, do culto e da vida espiritual. Todos os aspectos da vida cristã, quer individual, quer comunitária, são analisados e entendidos com referência à Palavra de Deus.

A centralidade da “Palavra” e da “palavra” se evidenciou em muitas áreas, mas especialmente no culto, a manifestação mais visível e concreta da vida da igreja. Em virtude da sua importância capital, a Escritura precisava ser estudada, interpretada e ensinada. Daí a tremenda ênfase dada ao púlpito e à pregação na vida das igrejas da Reforma.[i] Os pastores passaram a ser designados especificamente como os “ministros da Palavra” (minister verbum Dei ou minister verbi divini). Suas funções mais importantes eram pregar a Palavra e ministrar os sacramentos. Na tradição reformada ou calvinista, a “fiel exposição da Palavra” passou a ser a primeira e a mais importante das marcas da igreja. Essas ênfases foram levadas pelos missionários aos países em que trabalharam.

O objetivo deste artigo é fazer uma análise introdutória da pregação dos primeiros obreiros presbiterianos do Brasil, tanto estrangeiros quanto nacionais. Inicialmente são feitas algumas considerações sobre a pregação na tradição reformada, na Europa e nos Estados Unidos. Em seguida, são abordadas a formação teológica e as práticas de pregação dos pioneiros presbiterianos no Brasil. Finalmente, é feito um levantamento geral do primeiro periódico presbiteriano brasileiro voltado para a publicação de sermões, O Púlpito Evangélico (1888-1900), destacando-se as suas principais características e o seu conteúdo.

1. A pregação na tradição reformada

A Escritura e a pregação foram fundamentais para todas as igrejas da Reforma, mas se tornaram especialmente importantes no protestantismo suíço. Ulrico Zuínglio adquiriu notoriedade em Zurique exatamente em virtude de sua vibrante pregação bíblica, estimulada pela leitura do Novo Testamento em grego e latim publicado por Erasmo de Roterdã. João Calvino distinguiu-se por sua impressionante erudição bíblica e por seu valioso trabalho como intérprete, pregador e expositor das Escrituras. Seus herdeiros mantiveram essa ênfase, insistindo na necessidade de um ministério bem-preparado. Os pastores reformados, nos diferentes países em que esse movimento se implantou, recebiam sólido treinamento bíblico e teológico a fim de serem preparados para a sua tarefa mais essencial. A Academia de Genebra, fundada por Calvino em 1559, da qual Teodoro Beza foi o primeiro reitor, tinha como principal finalidade o preparo de pastores para as igrejas reformadas da França, dando ênfase, entre outras coisas, ao desenvolvimento de habilidades nas áreas exegética e homilética. Com o tempo, surgiram universidades reformadas que se tornaram padrão de excelência nesses campos. São exemplos disso as Universidades de Leyden (Holanda), Heidelberg (Alemanha) e Edimburgo (Escócia).

A pregação reformada atingiu um dos seus pontos culminantes com o advento do puritanismo britânico. O século que se seguiu ao início do reinado de Elizabete (1558) foi uma das grandes eras do púlpito em todos os tempos. Thomas Fuller observou que o segredo da enorme influência do puritanismo na vida da Inglaterra foi a notável habilidade revelada pelos pregadores puritanos no púlpito.[ii] Praticamente todos os grandes teólogos puritanos foram também pregadores destacados. Dentre eles podem ser citados os ingleses Thomas Cartwright, Richard Hooker, William Perkins, Richard Sibbes, Thomas Goodwin, Richard Baxter, John Owen e John Bunyan, e os escoceses John Knox, Andrew Melville, Samuel Rutherford, William Guthrie, Alexander Peden, James Renwick e Thomas Boston.[iii] Esses pregadores criaram o chamado estilo “simples” de pregação, que visava atingir tanto a mente quanto o coração dos ouvintes. Esse estilo era simples no sentido de ser inteligível, tocante e direto, sendo ao mesmo tempo cheio de vivacidade através do uso habilidoso de imagens extraídas da Bíblia e da vida diária.[iv]

Essa ênfase em um ministério bem treinado e na importância da pregação foi levada pelos reformados para a América do Norte. Desde o início da colonização, os calvinistas criaram colégios (“colleges”), que visavam prioritariamente a preparação dos seus ministros. Os primeiros foram os de Harvard, em Massachusetts (1636); Yale, em Connecticut (1701); Princeton, em Nova Jersey (1746); Queens/Rutgers, em Nova Jersey (1764); e Dartmouth, em New Hampshire (1769). Os grandes pregadores americanos dos séculos 17 e 18 foram todos influenciados pela tradição puritana: Roger Williams, Francis Makemie, Cotton Mather, William Tennant, Theodore Frelinghuysen, Jonathan Edwards, Samuel Davies e John Witherspoon, entre outros.[v] Sendo o puritanismo a mais influente tradição religiosa da América do Norte, pode-se imaginar quão grande foi o impacto da sua pregação na formação espiritual e cultural dos Estados Unidos.

Em muitos aspectos, Jonathan Edwards (1703-1758) tipifica os grandes pregadores da época, a começar do aspecto físico. Nos quadros que o representam, ele invariavelmente enverga o traje característico de pregador: toga preta, colarinho e peruca branca. Acima de tudo, Edwards foi o grande representante americano do estilo “simples” de pregação. Seus sermões, cuidadosamente preparados e memorizados, preocupavam-se em expor as grandes verdades bíblicas e aplicá-las ao coração e à vida dos fiéis. Não deixa de ser notável o fato de que o primeiro avivamento ocorrido durante o seu ministério na Igreja Congregacional de Northampton verificou-se quando ele pregava uma série de sermões sobre a justificação pela fé (1734).

Em distinção dos puritanos e de outros grupos reformados, os presbiterianos norte-americanos acabaram criando a sua própria tradição. Em 1788, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos estava plenamente formada, com a criação da sua Assembleia Geral. Nas décadas seguintes, ocorreu uma série de acontecimentos marcantes. Em primeiro lugar, o fenômeno dos avivamentos, particularmente o chamado Segundo Grande Despertamento, contribuiu para o extraordinário crescimento da igreja. O historiador Sydney Ahlstrom informa que no início do século 19 havia aproximadamente 13.500 membros comungantes em cerca de 500 igrejas; em 1820, 70.000 membros em 1.300 igrejas, e em 1837 (o ano da criação da Junta de Missões Estrangeiras), 226.000 membros em 2.865 igrejas.[vi]

Em segundo lugar, houve uma polarização na igreja entre dois grupos: a “Velha Escola” e a “Nova Escola”. Esta, concentrada principalmente em Nova York e na Nova Inglaterra, era partidária do avivamento e de um calvinismo atenuado, ao passo que a primeira, predominante em Nova Jersey, na Pensilvânia e no sul, via o avivamento com suspeitas, por causa de seus excessos e de suas ênfases teológicas, e era forte defensora da ortodoxia de Westminster. Essas preocupações levaram a Velha Escola a criar, em 1812, o Seminário de Princeton, cujo primeiro professor foi Archibald Alexander (1772-1851). Esse escocês-irlandês, ao buscar uma orientação intelectual e teológica para a nova instituição, voltou-se, não para a tradição derivada de Jonathan Edwards, mas para o escolasticismo de François Turretin (1623-1687), vigoroso defensor do calvinismo clássico em Genebra. Ahlstrom observa que, até ser substituída em 1873 pela Teologia Sistemática de Charles Hodge, a Institutio Theologiae Elencticae[vii] de Turretin, associada às confissões suíças e aos padrões de Westminster, “proporcionou tanto estrutura quanto conteúdo para a mensagem que centenas de formandos do seminário levaram a todo o país e a muitos campos missionários no exterior”.[viii]

Os outros grandes seminários do norte, como Western (Pensilvânia), McCormick (Illinois) e Lane (Ohio) tinham essencialmente a mesma orientação. O mesmo se pode dizer dos principais seminários presbiterianos do sul, Union (Virgínia) e Columbia (Carolina do Sul), que igualmente abraçaram a ortodoxia calvinista. Seus principais professores foram, respectivamente, os conhecidos teólogos conservadores Robert Lewis Dabney (1820-1898) e James Henley Thornwell (1812-1862).[ix] Paralelamente, a pregação continuou a ter grande prestígio no protestantismo americano. Entre os presbiterianos, destacaram-se, na primeira metade do século 19, homens como Archibald Alexander, Asahel Nettleton, James H. Thornwell, Robert L. Dabney e Albert Barnes; após a Guerra Civil, Charles Hodge, John Hall, Francis L. Patton e Benjamin B. Warfield, entre outros. Na verdade, o período posterior à Guerra Civil é considerado a era dos grandes príncipes do púlpito norte-americano, tais como Henry Ward Beecher, Philips Brooks, T. DeWitt Talmage e Russell Conwell.

2. Os primeiros pregadores presbiterianos no Brasil

A maior parte dos primeiros missionários presbiterianos da Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos (PCUSA) que trabalharam no Brasil receberam a sua formação teológica no Seminário de Princeton. Dos 29 obreiros que entraram em atividade entre 1859 e 1900, pelo menos 13 formaram-se em Princeton, 5 no Western Theological Seminary, 3 no Seminário Teológico de Chicago (McCormick) e 3 no Seminário Teológico Lane. No mesmo período (1869-1900), dentre os 28 missionários da Igreja do Sul (PCUS) que aqui trabalharam sob os auspícios do Comitê de Missões de Nashville, pelo menos 19 graduaram-se no Seminário Teológico Union, 4 no Seminário de Colúmbia e 6 em outros locais. Portanto, esses homens receberam uma sólida formação teológica e homilética na melhor tradição reformada, calvinista.

Além disso, eles sofreram a influência de movimentos mais amplos do protestantismo norte-americano, particularmente o estilo de pregação dos avivamentos e de uma instituição tipicamente americana derivada dos mesmos, os chamados “camp meetings” ou acampamentos evangelísticos, nos quais, durante vários dias, centenas de pessoas hospedadas em tendas ouviam pregadores avivalistas. Muitos dos missionários que vieram para o Brasil eram procedentes da fronteira oeste americana, onde esses fenômenos eram muito generalizados, mesmo entre os presbiterianos. Assim sendo, todo um conjunto de fatores influenciou a pregação dos pioneiros: a tradição reformada de pregação doutrinária e expositiva, o estilo caloroso e pessoal dos puritanos, a ênfase evangelística e emocional dos avivamentos, a formação teológica ortodoxa nos seminários.

Os primeiros pastores presbiterianos nacionais (brasileiros e portugueses) receberam o seu treinamento teológico, pastoral e homilético desses missionários pioneiros. Entre 1864 e 1900, trinta e sete pastores foram ordenados pelos presbitérios brasileiros. Desses, dois eram americanos (George Whitehill Chamberlain e William Calvin Porter), outro inglês (William D. Pitt) e outro brasileiro, mas filiado à missão da Igreja do Sul (Flamínio A. Rodrigues). Dos restantes, um era italiano (Francisco Lotufo), seis eram portugueses (Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, João Ribeiro de Carvalho Braga, Manoel Antônio de Menezes e João Vieira Bizarro) e os demais brasileiros natos.

No que diz respeito à educação teológica desses ministros, houve diversas situações: (a) alguns deles foram dispensados dos estudos teológicos por causa de seus conhecimentos e experiência (os ex-padres José Manoel da Conceição e Lino da Costa, e o presbítero William D. Pitt); (b) quatro estudaram no “Seminário Primitivo”, no Rio de Janeiro, cujo principal professor foi Alexander L. Blackford (Modesto Carvalhosa, Antônio Trajano, Miguel Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite); (c) vários fizeram os estudos na Escola Americana de São Paulo, com missionários como George Chamberlain, Donald Campbell McLaren e especialmente John Beatty Howell (Eduardo Carlos Pereira, Zacarias de Miranda, João R. Carvalho Braga, Benedito Ferraz de Campos)[x]; (d) alguns estudaram no Colégio Internacional, em Campinas, sob a orientação de Edward Lane e John Boyle (Delfino Teixeira, Álvaro Reis); (e) outros estudaram no Colégio Agrícola de Capim Fino, perto de Jaú, dirigido pelo Rev. Howell (João V. Bizarro, Herculano de Gouvêa, Bento Ferraz); (f) no nordeste, os primeiros pastores foram treinados pelo Rev. John Rockwell Smith (Belmiro César, João Batista de Lima, Francisco Primênio, Juventino Marinho); George Henderlite ensinou Martinho de Oliveira e Manoel Machado; no sul de Minas, Miguel Torres treinou Caetano Nogueira Júnior; (g) alguns poucos estudaram na Inglaterra (Manoel Antônio de Menezes e Henrique Vogel).[xi]

A educação teológica formal e centralizada começou com a instalação do Seminário Presbiteriano, que iniciou as suas atividades em Friburgo, Estado do Rio de Janeiro, em 1892, e do Instituto Teológico de São Paulo, fundado pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira em 1893. Os primeiros pastores que se formaram nessas instituições, fundidas em 1894, foram Francisco Lotufo, Alfredo Guimarães, Franklin do Nascimento, José Maurício Higgins, Laudelino de Oliveira Lima, Erasmo Braga, José Ozias Gonçalves e Alfredo Borges Teixeira. Só depois de 1900 formaram-se os primeiros alunos do Seminário de Garanhuns, mais tarde transferido para Recife. Todos esses missionários estrangeiros e pastores brasileiros partilhavam de uma cultura religiosa comum, que influenciou fortemente o estilo e o conteúdo de sua pregação. Além disso, eles sofreram a influência de fatores peculiares à obra protestante no Brasil, como a condição de grupo minoritário, a necessidade de atrair adeptos, a polêmica anticatólica, as tensões éticas com a cultura dominante.

3. Pregação e pregadores

Desde o início, os obreiros presbiterianos do Brasil utilizaram amplamente dois recursos para a difusão da sua mensagem e a doutrinação dos primeiros conversos: a palavra falada (pregação e ensino) e a palavra escrita (livros e periódicos). Em sua teologia, eram firmemente calvinistas. Themudo Lessa deixou as suas impressões sobre o Rev. John Rockwell Smith, que formou muitos dos primeiros pastores presbiterianos brasileiros: “Possuía o Dr. Smith vasta cultura teológica. Seus conhecimentos se fortaleciam na sua rica biblioteca, acrescida constantemente. No púlpito instruía os fiéis em sermões profundamente doutrinários. O pecado e suas consequências era um dos seus temas prediletos. Calvinista rígido. Figura empolgante. Olhos de fogo como os do reformador… Pregava longos sermões, de cinquenta minutos pelo menos”.[xii] Outro exemplo: o inglês William Pitt era um calvinista convicto, porém adepto do congregacionalismo. Viera ao Brasil para auxiliar o Rev. Robert R. Kalley no trabalho evangelístico. Só aceitou filiar-se à Igreja Presbiteriana de São Paulo, em 1867, após longo e cuidadoso estudo do sistema presbiteriano de governo.[xiii]

As obras de teologia utilizadas na formação dos primeiros pastores ensinavam a doutrina calvinista clássica. Entre os livros traduzidos pelo Rev. Francis Schneider para o português estavam O Caminho de Vida, de Charles Hodge, e Esboços de Teologia, do seu filho Archibald Alexander Hodge. No início do século 20, esta última obra tinha de ser dominada pelos estudantes do Seminário de Garanhuns, por exigência do Rev. Henderlite. Os alunos também conheciam quase de cor o livreto The Gospel as Taught by Calvin (O evangelho ensinado por Calvino), do Rev. R. C. Reed, professor do Seminário de Colúmbia.[xiv] Essas e outras obras bem conhecidas e testadas nos Estados Unidos foram utilizadas amplamente entre os presbiterianos no Brasil.

As fontes históricas preservam muitas informações interessantes e valiosas sobre as práticas homiléticas dos primeiros pregadores presbiterianos no Brasil. Um fato conhecido a respeito de Ashbel G. Simonton é que ele decidiu ser missionário no exterior após ouvir um sermão de seu professor Charles Hodge sobre as missões entre os “pagãos”.[xv] Simonton tornou-se um excelente pregador na língua portuguesa e dois anos após a sua morte o seu cunhado Blackford fez publicar em Nova York 22 sermões de sua lavra (Sermões Escolhidos, 1869). Muitos dos seus sermões permanecem inéditos. Além dos sermões evangelísticos e de instrução aos crentes, havia aqueles proferidos em ocasiões especiais. Por exemplo, no dia 21 de maio de 1865, logo que chegou ao Brasil a notícia do fim da guerra civil americana e do assassinato do presidente Abraham Lincoln, Simonton pregou um famoso sermão aos cidadãos norte-americanos residentes no Rio de Janeiro, baseando-se no Salmo 46.1-3. Ocasionalmente, os pregadores abordavam temas sociais candentes. No dia 14 de agosto de 1884, na época em que se intensificava a luta abolicionista, o Rev. James Theodore Houston pregou na Igreja do Rio de Janeiro um sermão que demonstrava o conflito entre a escravidão e a fé cristã, exortando os fiéis a se empenharem na libertação dos escravos. Alguns missionários ficaram conhecidos pela sua habilidade no uso de ilustrações, como foi o caso de William C. Porter e Alva Hardie.[xvi]

Dentre os primeiros pastores brasileiros, um dos que mais se destacaram no púlpito foi Álvaro Reis, no Rio de Janeiro e pelo Brasil afora. Vários de seus sermões foram publicados e tiveram ampla divulgação. É o caso de “O clamor das pedras”, “O tribunal de Cristo”, “A vitória da fé”, “Os escândalos” e “As sete palavras de Cristo na cruz”, entre outros. Todavia, um antecessor de Reis na Igreja do Rio cometeu uma imprudência que teve graves consequências. Segundo informa o historiador Temudo Lessa, o missionário Dillwin M. Hazlett ficava excessivamente absorvido em suas atividades como tipógrafo e editor. Com isso, não tinha tempo para preparar os sermões e entregava o púlpito a um presbítero que, embora instruído, era ainda um crente novo e não tinha treinamento teológico. Esse presbítero, Dr. Miguel Vieira Ferreira, começou a basear as suas mensagens em sonhos e visões, alegando receber revelações diretas de Deus. Disciplinado pelo conselho, retirou-se com um grande grupo de simpatizantes, indo fundar uma outra igreja.[xvii]

Uma categoria de sermões especialmente significativos estava associada com as cerimônias de licenciatura e ordenação (aqui incluídas as parêneses ou exortações aos novos ministros). São conhecidos os textos bíblicos usados em vários sermões de prova com vistas à ordenação: Ashbel G. Simonton – Atos 16.9; José Manoel da Conceição – Lucas 4.18-19 (a parênese proferida por Simonton baseou-se em 2 Co 5.20); George Chamberlain – João 6.29; William Pitt – Hebreus 11.1-3; Antônio Trajano – Mateus 24.30; Miguel Torres – 1 Timóteo 1.15; Caetano Nogueira – Hebreus 7.25; Álvaro Reis – Mateus 27.37; Franklin do Nascimento – 1 João 1.7.[xviii] José Manoel da Conceição, o ex-sacerdote que se tornou o primeiro brasileiro a ser ordenado ministro evangélico, tinha um estilo peculiar de pregação, influenciado pela sua formação católica e por sua espiritualidade bíblica e fervorosa. Seus sermões geralmente não obedeciam aos cânones tradicionais da homilética protestante, caracterizando-se pela informalidade, uso da linguagem do povo e ausência de preocupação dogmática ou eclesiástica. Segundo testemunhos oculares, ele possuía uma presença nobre e atraente, voz harmoniosa e grande eloquência.[xix]

4. O Púlpito Evangélico

Como foi dito alguns parágrafos atrás, os dois principais meios utilizados pelos pioneiros presbiterianos brasileiros para divulgar a sua mensagem foram a pregação e a página impressa. Muitas vezes houve uma fusão desses dois recursos, através da publicação de sermões. Isso ocorreu desde o início, por várias razões. Em primeiro lugar, havia um feito multiplicador: os sermões publicados atingiam um público mais amplo que os auditórios modestos das primeiras igrejas. Em segundo lugar, esses sermões serviam de auxílio aos pregadores leigos, candidatos ao ministério e outros pastores. Em muitos locais não havia um ministro ordenado para dirigir os cultos e o dirigente leigo podia ler um sermão escrito, para o melhor proveito dos ouvintes. Em terceiro lugar, havia a preocupação de preservar bons sermões para a posteridade. Os únicos textos publicados que muitos pastores deixaram foram sermões.[xx]

O segundo periódico evangélico e presbiteriano do Brasil, O Púlpito Evangélico, tinha especificamente esse objetivo.[xxi] Foi publicado pelo Rev. Emanuel Vanorden, obreiro da Igreja do Norte, inicialmente em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Saíram 24 números, de janeiro de 1874 a dezembro de 1875. Esse valioso jornal publicou sermões de missionários e pastores da época, na seguinte ordem: Emanuel Vanorden, José Manoel da Conceição, Francis Schneider, Alexander Blackford, George N. Morton, Edward Lane, George Chamberlain, Modesto Carvalhosa, Miguel Torres, John B. Howell e Ashbel G. Simonton.[xxii] Incluiu a série de sermões pregados na inauguração do templo da Igreja do Rio de Janeiro. Também publicava notícias das igrejas e de interesse geral dos evangélicos.[xxiii]

Em janeiro de 1888, começou a ser publicado em Campinas, sob a direção do Rev. Edward Lane, outro periódico com o mesmo nome, O Púlpito Evangélico, que teve uma vida mais longa e foi considerado um continuador ou sucessor do primeiro. A página de rosto informava: “Publicado mensalmente pela Associação Evangélica e Literária de Campinas. Dedicado a sermões, exposição bíblica, história e literatura eclesiásticas, notícias religiosas”. No ano seguinte, passou a anunciar: “Sermões por ministros evangélicos no Brasil. Também exposição de passagens das Sagradas Escrituras, esboços de sermões e apontamentos históricos dos primeiros séculos da igreja cristã”. No início de 1891, informava-se que o periódico iria incluir matérias de defesa da doutrina cristã, notas bíblicas e ilustrações. O título passou a ser Púlpito Evangélico em 1893. Dois anos depois a redação foi transferida para Lavras (MG) e mais tarde para o Rio de Janeiro. Foi publicado até o final de 1900, sempre sob os auspícios da Missão da PCUS.[xxiv] Em 1901, passou a chamar-se O Presbiteriano, sendo publicado mensalmente pela Comissão Sinodal de Publicações e passando a incluir as lições da escola dominical. Nos últimos anos esteve sob a direção do Rev. Dr. Horace S. Allyn, que havia fundado uma Casa Editora Presbiteriana. A missionária Charlotte Kemper também prestou excelentes serviços ao periódico.[xxv]

O Púlpito Evangélico foi sem dúvida o mais valioso sermonário presbiteriano publicado no Brasil no século 19. Durante os seus treze anos de existência (1888-1900), foram publicados 156 sermões principais (alguns números traziam um sermão adicional, menor, bem como esboços de sermões). Na coleção consultada faltam nove números, o que dá um total de 147 sermões, dos quais quinze não indicam o autor. Dos 132 sermões cuja autoria é identificada, 60 foram escritos por autores nacionais, quase todos ministros da Igreja Presbiteriana do Brasil. As únicas exceções são A. Campos, Antônio Ernesto da Silva, Guilherme da Costa e Leônidas da Silva.[xxvi] Dentre os sermões restantes, 31 são da lavra de missionários da Igreja do Sul, 12 de missionários da Igreja do Norte e 29 de outros autores estrangeiros.

Nesta última categoria estão incluídos nomes famosos como Robert L. Dabney (1820-1898, professor de teologia no Seminário Union), Alexander MacLaren (1826-1910, expositor bíblico batista escocês), John Hall (1829-1898, pastor irlandês da Igreja Presbiteriana da Quinta Avenida, em Nova York), T. DeWitt Talmage (1832-1902, pastor presbiteriano em Nova York), Charles H. Spurgeon (1834-1892, pregador batista inglês), Adoniram J. Gordon (1836-1895, pastor batista em Boston), Dwight L. Moody (1837-1899, evangelista americano), David James Burrell (1844-1926, pastor da Igreja Marble Collegiate, em Nova York), F. B. Meyer (1847-1929, pastor e evangelista inglês) e Henry J. Van Dyke (1852-1933, “o poeta do púlpito americano”).[xxvii] Outros nomes menos conhecidos são W. P. Breed, C. R. Hemphill, T. V. Moore, Andrew Murray, T. E. Peck, Edmund A. Tilly, Edwin Tausch e Myron Clark. Os três últimos estão ligados ao Brasil: Tilly foi missionário metodista; Tausch era pastor luterano em São Paulo e o presbiteriano Clark introduziu no país a Associação Cristã de Moços (ACM).

Dentre os missionários norte-americanos, o que teve maior número de sermões publicados em O Púlpito Evangélico – quinze –foi, compreensivelmente, Samuel Rhea Gammon, o grande educador de Lavras e um dos líderes mais destacados da Missão Sul da PCUS. Curiosamente, em segundo lugar está o Rev. George Wood Thompson (1863-1889), com oito sermões. Thompson faleceu aos 26 anos, vitimado pela febre amarela, menos de três anos após ter chegado ao Brasil.[xxviii] Todos os seus sermões, à exceção de um, foram publicados postumamente. A seguir, com cinco sermões cada, estão os dois pioneiros da Igreja do Norte, Revs. Ashbel G. Simonton e Alexander L. Blackford.[xxix] No que diz respeito aos pastores nacionais, o Rev. Belmiro de Araújo César ficou em primeiro lugar, com nove sermões. Em seguida vêm os Revs. Eduardo Carlos Pereira (7), Álvaro Reis (5) e Antônio Pedro de Cerqueira Leite (4). Com três sermões cada, estão os Revs. Caetano Nogueira Júnior, Herculano de Gouvêa, Juventino Marinho, Laudelino de Oliveira Lima, Lino da Costa e Miguel Torres. Tiveram dois sermões publicados os Revs. Antônio Trajano, João Ribeiro de Carvalho Braga e Erasmo Braga, os dois últimos pai e filho.[xxx]

5. O que pregavam os pioneiros

Evidentemente, um sermão não é primariamente uma obra literária, e sim uma peça de oratória. Seu maior impacto é causado ao ser ouvido e presenciado, não simplesmente lido.[xxxi] Para os leitores atuais, os sermões escritos há um século parecem pouco atraentes, pesados e monótonos. Boanerges Ribeiro observa: “As prédicas de que possuímos documentos não são de molde a inflamar imaginações… Só podemos hoje, ao reler esses sermões, cabecear com nossos avós”.[xxxii] Ele argumenta que os hinos foram muito mais influentes que a pregação na formação da nova mentalidade protestante e presbiteriana. Todavia, o objetivo principal dos sermões publicados era muito específico – suprir as necessidades das congregações distantes do interior, que não dispunham de pregadores treinados – e nesse sentido foram um instrumento muito eficaz. Falando sobre o Rev. Edward Lane, o ex-missionário Carl J. Hahn afirma: “Fundou o ‘Púlpito Evangélico’ em que publicava sermões para os seus ‘Leitores da Bíblia’ sem instrução a fim de que as congregações isoladas pudessem ser conduzidas ao aprofundamento da fé cristã”.[xxxiii] A introdução do primeiro volume encadernado, publicada em julho de 1892 (quatro meses após a morte de Lane[xxxiv]), diz logo no início que o periódico surgiu do desejo de suprir a falta de pregadores evangélicos no Brasil.

A mensagem dos pioneiros presbiterianos no Brasil foi influenciada pelas ênfases da teologia de Princeton, pela experiência dos avivamentos e pelas necessidades do próprio trabalho. A matriz principal dessa mensagem é a Bíblia, conforme interpretada pela hermenêutica protestante e reformada clássica. Uma preocupação frequente é a polêmica anticatólica, na qual se utilizam não só argumentos bíblicos e teológicos, mas também históricos. Um dos principais objetivos dessa pregação é a evangelização, a conquista de novos adeptos para o movimento, bem como a consolidação da fé daqueles que já haviam respondido à mensagem evangélica. A cosmovisão apresentada pode ser acentuadamente dicotômica, estabelecendo contrastes radicais, como entre a presente vida e a futura, ou entre a igreja e o mundo. É aquilo que Antonio Gouvêa Mendonça denomina a teologia dos dois mundos.[xxxv] Em consequência disso, nota-se uma tendência para o afastamento da temática social: a relação do crente com a sociedade deve limitar-se ao cumprimento das leis e à pregação do evangelho.

Na tentativa de verificar quais as preocupações dominantes da pregação presbiteriana brasileira no final do século 19, é útil fazer um levantamento dos temas tratados nos sermões de O Púlpito Evangélico. Uma boa maneira de fazer isso é classificá-los de acordo com as divisões tradicionais da teologia. Após o título de cada sermão, são indicados o mês e o ano da sua publicação.[xxxvi]

5.1 As Escrituras

Evidentemente, quase todos os sermões da coletânea tecem alguns comentários sobre as Escrituras, mas alguns tratam especificamente dessa doutrina. Um deles mostra como as Escrituras dão testemunho da sua própria veracidade e autenticidade (“A Bíblia é a sua própria testemunha”, 05/1888); outro mostra as características que colocam a Bíblia acima dos livros das demais religiões (“A Escritura Sagrada”, 02/1892); ainda outros abordam a veracidade do testemunho dos apóstolos (“As testemunhas de Jesus”, 11/1888), a eficácia da Escritura (“A eficácia da Palavra de Deus”, 09/1892) e uma distinção clássica no conceito de revelação (“A revelação natural e a revelação escrita”, 07/1900). Miguel Torres também discorre sobre as virtudes da Palavra em “O evangelho eterno” (01/1891).

5.2 Deus

Vários sermões abordam a temática do amor de Deus, tais como “O amor de Deus para com os pecadores” (02/1888), “A última expressão do amor de Deus para com o mundo” (04/1888) e “O amor de Deus realçado pela consideração da indignidade do seu objeto” (05/1889). Dois sermões abordam especificamente a temática de Deus como refúgio para os que sofrem: “A segurança dos oprimidos que buscam a Deus” (11/1892), “Deus como refúgio das almas sofredoras” (02/1896). Também se concentram no Ser Divino os textos “A voz mansa e delicada” (11/1895) e “Deus e a idolatria” (06/1895).

5.3 O Espírito Santo

Alguns sermões tratam de diferentes aspectos da pessoa e obra da terceira pessoa da trindade: “O amor do Espírito” (06/1896),[xxxvii] “Entrada ao Pai pelo Espírito Santo” (07/1896), “O advento do Espírito” (01/1899) e “O testemunho do Espírito Santo” (10 e 11/1900).

5.4 Jesus Cristo

Como era de se esperar, grande número de sermões aborda os mais diversos ângulos da pessoa e da obra redentora de Cristo. Alguns exemplos são: “O dom inefável de Deus” (09/1888), “A nossa mediação e salvação” (10/1888),[xxxviii] “A humilhação e a exaltação de nosso Senhor Jesus Cristo” (01/1889); “O único Advogado” (12/1889), “Cristo nosso mediador” (04/1890), “Jesus, o autor da salvação eterna” (06/1890), “Cristo crucificado, poder e sabedoria de Deus” (07/1890), “Cristo como rei” (09/1890), “Cristo, nosso amigo” (10/1890), “O Salvador vivo” (10/1891), “Cristo: a principal pedra do ângulo do templo espiritual” (10/1892), “Nosso advogado” (01/1893), “O caminho desconhecido e entanto bem conhecido” (12/1893), “As riquezas incompreensíveis de Cristo” (03/1895), “O Cordeiro de Deus” (06/1897), “Olhando para Jesus” (02/1898), “A vítima imaculada” (09/1898), “O médico da alma” (03/1900), “A tristeza de Jesus” (06/1900), “Cristo, o único Salvador” (09/1900).

5.5 Pecado e salvação

Alguns sermões tratam de temas ligados à chamada “soteriologia objetiva”, ou seja, a realidade humana de pecado e alienação e a resposta de Deus mediante a obra redentora do Filho. São exemplos disso: “O pecador perdido em Adão e salvo em Cristo” (01/1888), “Os erros fatais” (04/1889), “O filho perdido” (07/1889), “O preço da redenção” (08/1889), “A redenção” (08/1892), “Água da vida” (02/1894), “O nosso destino” (08/1898), “O caminho ilusório” (12/1899) e “A cruz de Cristo” (12/1900).

5.6 A aplicação da redenção

Vários sermões tratam de aspectos da “soteriologia subjetiva”, ou seja, como a redenção realizada por Cristo na cruz é aplicada a indivíduos concretos: “A união vital e salvadora de Cristo com os salvos” (06/1889), “A vida eterna” (02/1890), “A nossa paz” (05/1890), “A paz com Deus” (04/1891), “Regeneração” (06/1891), “O arrependimento” (11/1891), “O novo nascimento” (03/1894), “O verdadeiro apocalipse do Pai” (06/1894), “Como somos filhos de Deus” (08/1894), “A vida espiritual – seu começo, a regeneração” (10/1894), “A conversão do carcereiro de Filipos” (10/1895), “A decisão” (11/1896), “Remidos pelo sangue” (02/1897), “Reconciliação com Deus” (05/1897), “Adoção” (05/1898), “A regeneração” (08/1899), “Deus justifica o ímpio” (10/1899).

5.7 Vida cristã

O viver diário do cristão é tema de muitos sermões que abordam diferentes aspectos da espiritualidade e da ética bíblica: “A vida pela fé” (03/1888), “A luz do mundo” (06/1888), “A síntese da lei” (10/1889),[xxxix] “A pedra viva” – os cristãos como templo e sacerdócio (01/1890),[xl] “A santidade” (08/1890), “Motivos para amarmos a Deus” (02/1891), “A herança boa do cristão” (05/1891), “Santifica-os na verdade” (01/1892), “O dever dos remidos” (11/1893), “A herança gloriosa dos santos” (01/1894), “Amor e obediência” (12/1894), “Quarenta anos no deserto” (09/1895), “As aflições” (03/1896), “A oração” (08/1896), “As coisas que Deus emprega – um sermão aos crentes” (12/1896), “A carreira cristã” (06/1898), “A paz de Deus” – sobre a oração (07/1898), “Os dois discípulos de Emaús” (02/1899), “Um exemplo de constância” (03/1899), “O crescimento na graça do Senhor” (06/1899), “Segue-me tu” (09/1899), “Fé em Cristo” (11/1899).

5.8 A igreja e os sacramentos

A eclesiologia também figura como tema dominante de vários sermões, tais como: “Os dízimos” (08/1888), “O presbiterianismo” (12/1888), “A Santa Ceia” (02/1889), “A edificação do templo” (03/1889),[xli] “O fundamento da igreja cristã” (09/1889), “A vida incorporada da igreja” (11/1889), “O batismo” (03/1890),[xlii] “A igreja, a esposa de Cristo” (03/1891), “A igreja” (07 e 08/1891; 12/1892), “O juiz iníquo” (07/1892), “Os sacramentos” (06/1893), “Sobre esta rocha edificarei a minha igreja” (07/1895) e “O poder das chaves” (08/1895).

5.9 Escatologia

Certos aspectos da doutrina das últimas coisas também foram contemplados por alguns sermões: “Onde comparecerão o ímpio e o pecador?” (11/1890), “A parábola da cizânia” (03/1892), “O precursor” (10/1893), “A herança gloriosa dos santos” (01/1894), “A bem-aventurança dos mortos” (01/1895) e “Esperando a vinda do Rei” (04/1896).

5.10 Outros temas

Finalmente, há um conjunto de homilias que abordam questões apologéticas, históricas e outras: “As duas profissões” – o sacerdócio bíblico e o católico (12/1890), “A realidade da religião” (09/1891), “Fraqueza paternal” (10/1896), “A preparação para o encontro de Deus” (01/1897), “Razões bíblicas por ser um protestante” (03/1897),[xliii] “Uma paixão por almas” (04/1897), “Lutero e a Reforma” (03/1898), “Paulo em Atenas” (04/1898), “O poder do evangelho” (10/1898), “O fim e a força motora do cristianismo” (12/1898),[xliv] “Bartimeu, o cego – um tipo e exemplo dos pecadores” (04/1899), “O filho pródigo – um drama espiritual em quatro atos” (07/1899, 01, 02 e 04/1900), “O cristianismo e os seus inimigos, suas lutas e suas vitórias” (08/1900).

Um último dado interessante desse levantamento do Púlpito Evangélico diz respeito às passagens bíblicas usadas como base dos sermões. Constata-se que o livro bíblico mais utilizado foi o Evangelho de João – 33 sermões baseiam-se em diferentes textos do Quarto Evangelho. Em seguida vem o Evangelho de Mateus (16 sermões), 1 Pedro e Lucas (9 cada), Hebreus (8) e Isaías e Romanos (7 cada). No cômputo geral, são 26 sermões baseados em textos do Antigo Testamento e 119 em textos do Novo Testamento.

Conclusão

Os pioneiros presbiterianos do Brasil foram herdeiros de uma nobre e longa tradição de apreço pelas Escrituras, bem como de estudo e ensino das mesmas. A presente análise teve o propósito de mostrar um dos recursos utilizados por esses pioneiros para a proclamação da Palavra – a publicação de sermões – algo que visava prioritariamente suprir as necessidades dos vastos campos missionários carentes de obreiros. Essa preocupação encontrou a sua expressão mais notável no periódico Púlpito Evangélico, a maior e mais significativa coletânea de sermões publicada pelos presbiterianos brasileiros no século XIX. Esse singelo mensário preservou para a posteridade a pregação de grande número de missionários e pastores nacionais, o que se constitui em precioso subsídio para a melhor compreensão dos primórdios do presbiterianismo brasileiro. Espera-se que este estudo introdutório sirva de estímulo para outras pesquisas sobre o assunto. Dentre outras, uma questão a ser investigada de modo sistemático e profundo é o conteúdo da pregação dos pioneiros, sua abordagem hermenêutica e mais especificamente a sua teologia.


[i] Wilhelm Pauck observa: “Nada é mais característico do protestantismo do que a importância que o mesmo atribui à pregação”. Ver PAUCK, Wilhelm, The ministry in the time of the continental reformation, em NIEBUHR, H. Richard, e WILLIAMS, Daniel D. (Eds.). The ministry in historical perspectives. New York: Harper & Brothers, 1956. p. 110.

[ii] Apud HUDSON, Winthrop S., The ministry in the Puritan age, em NIEBUHR e WILLIAMS, The ministry in historical perspectives, p. 185.

[iii] Na primeira metade do século 19, outros dois pregadores da Igreja da Escócia se destacaram grandemente: Thomas Chalmers (1780-1847) e Robert Murray McCheyne (1813-1843). Na segunda metade daquele século, adquiriu grande notoriedade na Inglaterra o batista reformado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892).

[iv] Sobre a pregação dos puritanos, ver TURNBULL, Ralph G. Puritan preaching, em TURNBULL, Ralph G. (Ed.). Baker’s dictionary of practical theology. Grand Rapids: Baker, 1967. p. 34-38; e BICKEL, Bruce. Light and heat: the Puritan view of the pulpit. Morgan, PA: Soli Deo Gloria, 1999.

[v] Os sermões de vários desses pregadores podem ser encontrados em ALEXANDER, Archibald (Comp.). Sermons of the Log College. Reprint. Ligonier, PA: Soli Deo Gloria, 1993 (1855). Essa obra foi publicada originalmente sob o título: “Sermons and essays by the Tennents and their contemporaries”.

[vi] AHLSTROM, Sydney E. A religious history of the American people. New Haven: Yale University Press, 1972. p. 462. Os estudiosos observam que esse crescimento poderia ter sido ainda maior, como aconteceu com os metodistas e os batistas, se a preparação dos pastores presbiterianos não fosse tão rigorosa e prolongada. Outros dados estatísticos desse período podem ser encontrados em LINGLE, Walter L. Presbyterians: their history and beliefs. Rev. ed. Richmond, Virginia: John Knox Press, 1960. p. 80.

[vii] Essa obra histórica está sendo traduzida pelo Rev. Valter Graciano Martins e deverá ser publicada ainda este ano pela Editora Cultura Cristã.

[viii] Ibid., 463. Curiosamente, na época de Simonton havia queixas de que Princeton estava proporcionando aos seus estudantes uma educação excessivamente acadêmica, em detrimento da formação especificamente pastoral, particularmente na área da pregação. Ver CALHOUN, David B. Princeton Seminary. Vol. 1: Faith and learning, 1812-1868. Edinburgh: Banner of Truth, 1994. p. 372-374.

[ix] Ver NOLL, Mark A. A history of Christianity in the United States and Canada. Grand Rapids: Eerdmans, 1992. p. 235-237. Robert L. Dabney sugeriu à Igreja do Sul o início da missão no Brasil e um sobrinho seu, John W. Dabney, foi missionário em Campinas. Sobre Thornwell, ver o capítulo James Henley Thornwell: Logic on fire, em KELLY, Douglas F. Preachers with power: four stalwarts of the South. Edinburgh: Banner of Truth, 1992. p. 59-83.

[x] O catálogo da Escola Americana para 1885-1886 informa que o Curso Superior (teologia) incluía, entre outras, as disciplinas “Homilética” e “Eloqüência sagrada”. RIBEIRO, Boanerges. A igreja presbiteriana no Brasil: da autonomia ao cisma. São Paulo: O Semeador, 1987. p. 217. As mesmas matérias já faziam parte há vários anos do programa de estudos dos candidatos ao ministério do Presbitério do Rio de Janeiro. Ver RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e cultura brasileira. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981. p. 355s.

[xi] Sobre a formação dos primeiros pastores presbiterianos brasileiros, ver RIBEIRO, Protestantismo e cultura brasileira, p. 257-264; e especialmente, do mesmo autor, Igreja Evangélica e República Brasileira (1889-1930). São Paulo: O Semeador, 1991. p. 193-209. Nesta última obra, Ribeiro pondera: “A Teologia de Princeton modelou a prédica, a polêmica e a ação pastoral dos introdutores presbiterianos da Reforma no Brasil”. Ibid., p. 201.

[xii] LESSA, Vicente Temudo. Annaes da 1ª Egreja Presbyteriana de São Paulo: subsídios para a história do presbyterianismo brasileiro. São Paulo, 1938. p. 289. O Rev. Smith por vezes era muito dramático no púlpito. Certa vez ele pregava sobre os dois anjos que foram retirar Ló e sua família de Sodoma antes da destruição da cidade (Gênesis 19). A certa altura, para ilustrar o que dizia, agarrou o braço do Rev. Alberto Zanon, que o acompanhava no púlpito, e disse: “Sai, Ló; sai, Ló”. O Rev. Zanon ficou firme, como quem não queria arredar o pé, o que causou grande riso no auditório.

[xiii] Ibid., p. 90. Pitt foi ordenado dois anos mais tarde, mas faleceu sete meses após a ordenação.

[xiv] FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992. Vol. II, p. 109.

[xv] SIMONTON, Ashbel G. O Diário de Simonton: 1852-1866. 2ª ed. rev. e ampl. por Alderi S. Matos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002. p. 96 (14-10-1855).

[xvi] MATOS, Alderi Souza de. Os pioneiros presbiterianos do Brasil (1859-1900): missionários, pastores e leigos do século 19. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. p. 225, 288. Diz um manuscrito do Instituto Bíblico Eduardo Lane: “Dr. Hardie tinha espírito alegre e pregava o Evangelho com grande entusiasmo. Os seus sermões, cheios de boas ilustrações, eram sempre bem evangélicos. Muitos se lembram dos seus sermões com saudades”.

[xvii] LESSA, Annaes da 1ª Egreja, p. 159, 163s.

[xviii] MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, passim.

[xix] Ver COUTO, Nicolau Soares do. Esboço biográfico do Rev. José Manoel da Conceição. O Estandarte (4 e 11 jan. 1912), p. 14. O autor cita um texto do major Fausto Augusto de Souza, publicado em 1884.

[xx] Por exemplo, o Rev. Antônio Trajano publicou duas séries de sermões sob o título Luz Messiânica (1910-1912) e o Rev. Belmiro César deixou três opúsculos: A Tragédia do Calvário (1917), Os Remidos do Senhor (1919) e Trevas e Luz (1921). MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, p. 318, 360.

[xxi] O primeiro foi a Imprensa Evangélica, criado por Simonton, que circulou por 28 anos (1864-1892).

[xxii] LESSA, Annaes da 1ª Egreja, p. 102.

[xxiii] RIBEIRO, Protestantismo e cultura brasileira, p. 102.

[xxiv] O Arquivo Histórico Presbiteriano, sediado em São Paulo, possui uma coleção quase completa do periódico (1888-1900), em quatro volumes encadernados, que foi utilizada para esta análise.

[xxv] LESSA, Annaes da 1ª Egreja, p. 303s. Ver MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, p. 278.

[xxvi] Guilherme da Costa, filho do presbítero Manoel José Rodrigues da Costa, da Igreja Presbiteriana de São Paulo, foi candidato ao ministério presbiteriano, mas acabou se tornando pastor metodista. Ver MATOS, Alderi S. Presbítero José Manoel [sic] Rodrigues da Costa. Revista Servos Ordenados (out.-dez. 2004), p. 29-30. Leônidas da Silva, um ministro congregacional, colaborou com os presbiterianos na Bahia. Ver MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, p. 123, 140.

[xxvii] Para maiores informações sobre vários desses personagens, ver WEBBER, F. R. A history of preaching in Britain and America. Part three. Milwaukee, Wisconsin: Northwestern Publishing House, 1957.

[xxviii] MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, p. 226-230. G. W. Thompson foi o primeiro missionário de Campinas a ser vitimado pela febre amarela.

[xxix] Contribuíram com um sermão cada, da Igreja do Sul, os missionários Edward Lane, Frank Cowan, George Henderlite, Horace Allyn, John Boyle e William Bedinger, e, da Igreja do Norte, os Revs. Francis Schneider e Thomas Porter.

[xxx] Contribuíram com um sermão cada os Revs. Franklin do Nascimento, João Batista de Lima, João Vieira Bizarro, José Francisco Primênio da Silva, Modesto Carvalhosa e Zacarias de Miranda.

[xxxi] Jonathan Edwards costuma escrever os seus sermões integralmente, memorizá-los e então pregá-los usando, quando muito, algumas poucas anotações. O missionário John R. Smith, recém-chegado ao Brasil e sem o domínio do idioma local, precisou ler o seu primeiro sermão em Recife. O Rev. Lino da Costa costumava ler os seus sermões, anotados em cadernetas que colocava dentro da Bíblia; lia-os tão bem que poucos percebiam que estavam sendo lidos. MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, p. 189, 392.

[xxxii] RIBEIRO, A igreja presbiteriana no Brasil, p. 119s. Ele se refere ao material do Púlpito Evangélico como “insosso”, “entediante” (p. 121) e diz sobre os sermões de Simonton: “Deve ter sido pessoa de grande encanto pois, lidos hoje (e com raras excessões [sic]) são dissertações teológicas que não chegam a fascinar” (p. 122).

[xxxiii] HAHN, Carl Joseph. História do culto protestante no Brasil. Trad. Antonio Gouvêa Mendonça. São Paulo: ASTE, 1989. p. 182. Nesse importante livro, Hahn, um ex-missionário presbiteriano no Brasil, faz um estudo cuidadoso das práticas de culto dos primeiros protestantes brasileiros e conclui que houve algumas distorções nessa área, tais como a ênfase excessiva no sermão em detrimento de outras partes do culto e a pouca valorização da Ceia do Senhor. Ele lamenta a pobreza do culto e o seu distanciamento de suas origens reformadas e cristãs, apontando aquele que foi, no seu entender, o desvio básico: não uma jubilosa resposta do homem ao amor de Deus, mas o cumprimento de um dever acrescido de elementos didáticos. Ver a Nota do Tradutor, p. 11-12, e também p. 144, 178, etc.

[xxxiv] O Rev. Edward Lane faleceu em Campinas no dia 26 de março de 1892, vitimado pela febre amarela como os colegas George W. Thompson e John W. Dabney. Seu discípulo Álvaro Reis escreveu uma valiosa biografia desse pioneiro que foi publicada pelo Púlpito Evangélico na edição de outubro de 1895, nas págs. 183-197.

[xxxv] Ver MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pendão Real, ASTE e Ciências da Religião, 1995. p. 138-140.

[xxxvi] Somente alguns poucos sermões trazem a indicação da ocasião em que foram pregados originalmente.

[xxxvii] Pregado pelo Rev. C. R. Hemphill perante a Assembleia Geral da Igreja do Sul, reunida em Nashville, Tennessee. Texto: Romanos 15.30.

[xxxviii] Sermão de licenciatura de Álvaro Reis, pregado em 2 de setembro de 1888 em Campinas, perante o Presbitério de Campinas e Oeste de Minas. Texto: Atos 4.12. Ver MATOS, Pioneiros presbiterianos do Brasil, p. 367.

[xxxix] Sermão de ordenação de Álvaro Reis, pregado no dia 2 de setembro de 1889 em São João da Boa Vista, perante o Presbitério de Minas, presidido pelo Rev. Miguel Torres. Texto: Mateus 22.37. Ibid.

[xl] Pregado pelo Rev. Leônidas Silva em 29 de outubro de 1889, na Igreja Presbiteriana de Salvador, da qual era pastor o Rev. Alexander L. Blackford. O Púlpito Evangélico (janeiro 1889), p. 1.

[xli] Pregado pelo Rev. Zacarias de Miranda em São Paulo, no dia 25 de agosto de 1887, na abertura da reunião do Presbitério do Rio de Janeiro, do qual o autor era moderador. Texto: Esdras 1.3. O Púlpito Evangélico (março 1889), p. 239 (nota).

[xlii] Pregado pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira em Lorena, em 9 de junho de 1881. Texto: Mateus 28.19. Ibid. (março 1890), p. 40 e Índice.

[xliii] Proferido pelo Rev. John Hall no templo maçônico de Nova York, no dia 23 de fevereiro de 1896. Texto: 1 Pedro 3.15. Ibid. (março 1897), p. 50.

[xliv] Pregado pelo Rev. Samuel R. Gammon perante o Presbitério de Minas, reunido em São João da Boa Vista em julho de 1898, quando da ordenação dos licenciados Henrique Vogel e Laudelino de Oliveira Lima. Texto: 2 Coríntios 5.14,15. Ibid. (dezembro 1898), p. 423.

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