IPB: História e Identidade
Curadoria dos Museus da IPB

Breve história do papado

Em 2005, boa parte do mundo acompanhou com vivo interesse os acontecimentos dramáticos ligados à morte de João Paulo II e à eleição de seu sucessor, Bento XVI. Oito anos depois (2013), ocorreu o fato inusitado da renúncia de Bento, seguida da eleição do argentino Francisco. Nos nove anos seguintes, verificou-se a situação igualmente inédita da existência simultânea de dois papas vivos, até a morte do “papa emérito” no final de 2022. Qualquer que seja o entendimento que se tenha a respeito dos líderes supremos do catolicismo, o fato é que os papas são personagens muito importantes no mundo atual, ocupam enorme espaço na mídia e suas ações transcendem a área especificamente religiosa para produzir efeitos no âmbito político e social. Tais razões, entre outras, justificam o estudo dessa poderosa e influente instituição.

1. Considerações bíblicas

Do ponto de vista protestante, o papado não é uma instituição de origem divina, mas resultou de um longo e complexo processo histórico. As Escrituras não apontam esse ofício como uma ordenança de Cristo à sua igreja. É verdade que o Senhor proferiu a Pedro as bem conhecidas palavras: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mt 16.18). Todavia, isto está muito longe de declarar que Pedro seria o chefe universal da igreja (o primado de Pedro) e que a sua autoridade seria transmitida aos seus sucessores (sucessão apostólica). As primeiras gerações de cristãos não entenderam as palavras de Cristo dessa maneira. Tanto é que não se vê em todo o Novo Testamento qualquer noção de que Pedro tenha ocupado uma função formal de liderança na igreja primitiva. No chamado “Concílio de Jerusalém”, narrado no capítulo 15 de Atos dos Apóstolos, isso não aconteceu, e o próprio Pedro não reivindica essa posição em suas duas epístolas. Antes, ele se apresenta como apóstolo de Jesus Cristo e como um presbítero entre outros (1 Pe 1.1; 5.1).

Mais difícil ainda é estabelecer uma relação inequívoca entre Pedro e os bispos de Roma. Os historiadores não encontram uma base absolutamente segura para afirmar que Pedro sequer tenha estado em Roma, quanto mais para admitir que ele tenha sido o primeiro bispo daquela igreja. Ademais, é um fato bem estabelecido que não houve episcopado monárquico no primeiro século, no âmbito do cristianismo. As igrejas eram governadas por colegiados de bispos ou presbíteros (ver Atos 20.17 e 28; Tito 1.5 e 7).

2. Origens da instituição

Ao mesmo tempo, não se pode deixar de reconhecer que ainda na igreja antiga os bispos de Roma alcançaram grande preeminência, que o papado em muitas ocasiões prestou serviços crucialmente relevantes à igreja e à sociedade e que muitos papas foram homens de grande piedade, integridade moral, saber teológico e habilidade administrativa. Ao longo dos séculos, muitos dos principais eventos da história do cristianismo nas áreas da teologia, organização eclesiástica e relações entre a igreja e a sociedade tiveram conexão com a instituição papal. Originalmente, a palavra grega papas ou a latina papa foi aplicada a altos oficiais eclesiásticos de todos os tipos, especialmente aos bispos. A partir de meados do quinto século passou a ser aplicada quase que exclusivamente aos bispos de Roma. Foram múltiplos e complexos os fatores que levaram ao reconhecimento de que esses bispos detinham autoridade suprema sobre a igreja ocidental.

Em primeiro lugar, há que se destacar a importância crescente da igreja local de Roma desde o primeiro século. O livro de Atos dos Apóstolos termina com a chegada de Paulo a Roma. O apóstolo aos gentios escreveu a principal de suas epístolas a essa igreja e no segundo século surgiu uma tradição insistente de que tanto Paulo como Pedro, os dois apóstolos mais destacados, haviam sido martirizados naquela cidade. Além disso, já numa época remota a igreja de Roma tornou-se a maior, a mais rica e a mais respeitada de toda a cristandade ocidental. Outro fator que contribuiu para a ascendência da igreja romana e do seu líder foi a própria centralidade e importância da antiga capital do Império Romano. Ao contrário da região oriental, em que várias igrejas (Alexandria, Jerusalém, Antioquia e Constantinopla) competiam pela supremacia em virtude de sua antiguidade e conexões apostólicas, no Ocidente a igreja de Roma desde o início foi praticamente a líder inconteste. Outrossim, a partir de Constantino muitos imperadores romanos fizeram generosas concessões àquela igreja, buscaram o conselho dos seus bispos e promulgaram leis que ampliaram a autoridade dos mesmos.

Outro elemento importante é que desde cedo a igreja romana e os seus líderes reivindicaram, direta ou indiretamente, certas prerrogativas especiais. No final do primeiro século (ano 96), o bispo Clemente enviou em nome da igreja de Roma uma carta à igreja de Corinto para aconselhá-la e exortá-la quanto a alguns problemas que a mesma estava enfrentando. Um século depois, o bispo Vítor (189-198) exerceu considerável influência na fixação de uma data comum para a Páscoa, algo muito importante face à centralidade da liturgia na vida da igreja. As consultas entre outros bispos e Roma também datam de uma época antiga, embora a primeira decretal oficial (carta normativa de um bispo de Roma em resposta formal à consulta de outro bispo) só tenha surgido em 385, com o papa Sirício. Por volta de 255, o bispo Estêvão utilizou a passagem de Mateus 16.18 para defender as suas ideias numa disputa com Cipriano de Cartago. E Dâmaso I (366-384) tentou oferecer uma definição formal da superioridade do bispo romano sobre todos os demais.

3. Alguns papas notáveis

Essas raízes da supremacia eclesiástica romana foram alimentadas pelas atividades capazes de muitos papas. No quinto século destacou-se sobremaneira a figura de Leão I (440-461), considerado por muitos “o primeiro papa”. Leão exerceu um papel estratégico na defesa de Roma contra as invasões bárbaras e escreveu um importante documento teológico sobre a pessoa de Cristo (o Tomo) que exerceu influência decisiva nas resoluções do Concílio de Calcedônia (451). Além disso, ele defendeu explicitamente a autoridade papal, articulando mais plenamente o texto de Mateus 16.18 como fundamento da autoridade dos bispos de Roma como sucessores de Pedro. Seu sucessor Gelásio I (492-496) expôs a célebre teoria das duas espadas: dentre os dois poderes legítimos que Deus criou para governar no mundo, o poder espiritual – representado pelo papa – tinha supremacia sobre o poder secular sempre que os dois entravam em conflito.

O apogeu do papado antigo ocorreu no pontificado do notável Gregório I ou Gregório Magno (590-604), o primeiro monge a ocupar o trono papal. Sua lista de realizações é impressionante. Ele supervisionou as defesas romanas contra os ataques dos lombardos, realizou complicadas negociações com o imperador bizantino, saneou as finanças da igreja e reorganizou os limites e responsabilidades das dioceses ocidentais. Ele foi também um dedicado estudioso das Escrituras: suas exposições bíblicas, especialmente um comentário do livro de Jó, foram muito lidas em toda a Idade Média. Seus escritos sobre os deveres dos bispos deram forte ênfase ao cuidado pastoral como uma atividade prioritária. Ele reformou a liturgia, regularizou as celebrações do calendário cristão e promoveu a música sacra (“canto gregoriano”). Finalmente, Gregório foi um grande promotor de missões, enviando missionários para vários centros estratégicos do norte e do oeste da Europa e expandindo a área de jurisdição do papado.

Um momento especialmente significativo na evolução do papado ocorreu no Natal do ano 800, quando o papa Leão III coroou Carlos Magno como sacro imperador romano. A esta altura, a complexa associação dos elementos citados (e outros mais) havia criado uma situação na qual o bispo romano era amplamente considerado o principal personagem eclesiástico do Ocidente, bem como o representante do cristianismo ocidental junto ao Oriente. Algumas décadas antes, o pai de Carlos Magno havia cedido à igreja os amplos territórios do centro e norte da Itália que vieram a constituir os estados pontifícios. Isso fez dos papas governantes seculares como os demais soberanos europeus. Por vários séculos, os papas teriam um relacionamento estreito e muitas vezes altamente conflitivo com esses governantes. Mas a sua autoridade como líderes máximos da igreja ocidental não seria questionada.

4. Decadência e renovação

O papado também teve seus períodos sombrios, marcados por imoralidade e corrupção. Um desses períodos ocorreu entre o final do século IX e o início do século XI, quando a instituição papal foi controlada por poderosas famílias italianas. A história revela que um terço dos papas dessa época morreu de forma violenta: João VIII (872-882) foi espancado até a morte por seu próprio séquito; Estêvão VI (885-891), estrangulado; Leão V (903-904), assassinado pelo sucessor, Sérgio III (904-911); João X (914-928), asfixiado; e Estêvão VIII (928-931), horrivelmente mutilado, para não citar outros fatos deploráveis. Parte desse período é tradicionalmente conhecida pelos historiadores como “pornocracia”, numa referência a certas práticas que predominavam na corte papal.

A partir de meados do século XI, surgiram vários papas reformadores que procuraram moralizar a administração da igreja, lutando contra vários males que a assolavam. O mais notável foi Hildebrando ou Gregório VII (1073-1085), que se notabilizou por sua luta contra a simonia, ou seja, o comércio de cargos eclesiásticos, e ficou célebre por sua confrontação com o imperador alemão Henrique IV. Ele escolheu como lema do seu pontificado o texto de Jeremias 48.10: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente”. Todavia, o ápice do poder papal ocorreu no pontificado de Inocêncio III (1198-1216), considerado o papa mais poderoso de todos os tempos, aquele que, mais do que qualquer outro, concretizou o ideal da “cristandade”, ou seja, uma sociedade plenamente integrada sob a autoridade dos reis e especialmente dos papas. Ele foi o primeiro a utilizar o título “vigário de Cristo”, ou seja, o papa era não somente o representante de Pedro, mas do próprio Senhor. Seus sucessores continuaram por algum tempo a fazer ousadas reivindicações de autoridade sobre toda a sociedade, sem, contudo, transformá-las em realidade como o fizera Inocêncio.

5. O fim do período medieval

Novo período de declínio e desmoralização do papado ocorreu no século XIV e início do século XV. Primeiro, os papas residiram na cidade de Avinhão, ao sul da França, por mais de setenta anos (1305-1378), colocando-se sob a influência dos reis franceses. Esse período ficou conhecido como “o cativeiro babilônico da igreja”. Em seguida, por outros quarenta anos (1378-1417), houve dois e finalmente três papas simultâneos (em Roma, Avinhão e Pisa), no que ficou conhecido como “o grande cisma”. Essa situação embaraçosa foi sanada por vários concílios reformadores, especialmente o de Constança, que reivindicaram autoridade igual ou mesmo superior à dos papas. Em reação, estes reafirmaram ainda mais enfaticamente a sua autoridade suprema sobre a igreja.

O final do século XV e início do século XVI testemunhou o pontificado dos chamados “papas do renascimento”, os quais, ao contrário de muitos de seus predecessores ou sucessores, tiveram escassas preocupações espirituais e pastorais. Como o papa Alexandre VI (1492-1503), o espanhol Rodrigo Borja dedicou-se prioritariamente a promover as artes e a embelezar a cidade de Roma; Júlio II (1503-1513) foi um papa guerreiro, comandando pessoalmente o seu exército; e Leão X (1513-1521) teria dito ao ser eleito: “Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”. Foi ele quem despertou a indignação do monge agostiniano Martinho Lutero ao autorizar uma venda especial de indulgências na Alemanha para concluir as obras da Catedral de São Pedro. O resultado dessa indignação é conhecido de todos.

6. Os papas da Contrarreforma

A Reforma Protestante do século 16 despertou a cúpula da Igreja Católica do estado de letargia espiritual e omissão pastoral em que se encontrava. A reação católica teve duas manifestações complementares. Por um lado, Roma empenhou-se em combater o novo movimento, detendo o seu crescimento e procurando suprimi-lo onde fosse possível, como aconteceu na Espanha e na Polônia. Esse esforço recebeu o nome de “Contrarreforma”. Por outro lado, a Igreja Romana, consciente das distorções espirituais e morais apontadas pelos reformadores, fez uma autocrítica rigorosa e um esforço sério no sentido de corrigir os seus erros, aperfeiçoar a sua estrutura e explicitar melhor a sua fé. Esse aspecto é denominado pelos historiadores de “Reforma Católica”. Nos dois esforços, os papas tiveram uma atuação destacada.

Até o início da década de 1530, o trono pontifício continuou a ser ocupado por homens excessivamente envolvidos em questões seculares e políticas. Essa situação mudou quando Alessandro Farnese tornou-se o papa Paulo III (1534-1549). Farnese nomeou uma comissão de cardeais que avaliou a situação da igreja e propôs medidas saneadoras, entre elas que o papado se concentrasse nas suas tarefas espirituais e deixasse em segundo plano a preocupação com o poder, a opulência e a dignidade terrena. Outras duas grandes realizações de Paulo III foram a aprovação formal da nova ordem dos jesuítas ou Companhia de Jesus (1540) e a convocação do Concílio de Trento (1545-1563).

Esse famoso concílio afastou definitivamente qualquer possibilidade de conciliação com os protestantes. Desde então, o catolicismo conservador e militante tem sido designado como “tridentino” (de Trento). Entre as suas muitas e importantes resoluções, o concílio reafirmou o papel dominante dos papas na vida da igreja. Outros destacados pontífices da era de Trento foram Giovanni Pietro Caraffa (Paulo IV, 1555-1559) e Giovanni Angelo Medici (Pio IV, 1559-1565). Este último tem seu nome ligado a uma importante declaração de fé católica, o Credo de Pio IV ou Profissão de Fé Tridentina, que deve ser afirmada por todos os convertidos ao catolicismo. Esses papas reformadores contribuíram decisivamente para tornar a Igreja Católica uma instituição mais coesa, organizada e disciplinada, bem como dotada de uma clara identidade doutrinária. Um fato revelador é que por mais de trezentos anos nenhum outro grande concílio seria convocado até o Vaticano I.

7. Tensões entre igreja e estado

Nos séculos 17 e 18, as antigas ligações entre a Igreja Católica e as autoridades seculares continuaram a criar problemas para os papas. O Concílio de Trento contribuiu para a centralização do poder no papado e isso não foi bem recebido em muitas partes da Europa devido ao crescente nacionalismo e ao absolutismo real. A oposição ao conceito de uma igreja centralizada sob a autoridade papal recebeu o nome de “galicanismo”, por haver se manifestado mais fortemente na França, a antiga Gália. Assim, somente em 1615 os decretos de Trento foram promulgados nesse país. Até mesmo dentro da Igreja houve galicanos, isto é, aqueles que acreditavam que a autoridade eclesiástica residia nos bispos, e não no papa. Por outro lado, os defensores da autoridade suprema dos papas foram chamados de “ultramontanistas”, porque buscavam essa autoridade “além das montanhas” (os Alpes). Outro golpe recebido pelo poder papal foi a supressão da ordem dos jesuítas, um poderoso instrumento das políticas pontifícias. Após ser expulsa de Portugal, Espanha e França, bem como de suas colônias latino-americanas, a Sociedade de Jesus foi dissolvida em 1773 pelo papa Clemente XIV. Assim, ironicamente, enquanto os papas insistiam na sua jurisdição universal, eles estavam de fato perdendo poder e autoridade.

Um golpe ainda mais devastador contra o papado foi desferido pela Revolução Francesa (1789). Desde o início houve um profundo conflito entre a Igreja e o ideário republicano da revolução. Desse modo, logo que tomou o poder, o novo governo procurou enfraquecer o papado e suprimir a Igreja na França. Dois papas da época sofreram bastante nas mãos do novo regime. O primeiro foi Giovanni Angelo Braschi ou Pio VI (1775-1799). Em 1798, o exército francês ocupou Roma, proclamou uma república e declarou que o papa não mais era o governante temporal da cidade. Pio VI morreu no ano seguinte, virtualmente como prisioneiro dos franceses. Seu sucessor, Barnaba Chiaramonte, eleito papa Pio VII (1800-1823), inicialmente foi deixado em paz. Todavia, em 1808 Napoleão tomou a cidade de Roma e o papa foi feito prisioneiro por vários anos, até a queda do soberano francês em 1814. Pouco depois de retornar a Roma, Pio VII restaurou a Sociedade de Jesus.

8. O mais longo pontificado

A memória da Revolução Francesa reforçou o conservadorismo político e teológico dos papas e sua conseqüente oposição às ideias republicanas e democráticas que viriam a ser cada vez mais amplamente aceitas no mundo ocidental. Essa atitude alcançou a sua expressão máxima no cardeal Giovanni Maria Mastai-Ferretti, que, como papa Pio IX, teve o mais longo pontificado da história (1846-1878). Pio IX enfrentou um novo problema que foi o nacionalismo italiano e a luta pela unificação da Itália, até então subdividida em muitos principados, entre os quais estavam os antigos estados pontifícios. Um desses líderes nacionalistas foi Giuseppe Garibaldi, que se casou com a brasileira Anita Garibaldi. Em 1870, as tropas do novo Reino da Itália tomaram os estados papais e assim chegou ao fim o poder temporal dos papas, que havia atingido o seu auge no pontificado de Inocêncio III, no século 13.

Ao mesmo tempo em que perdia o seu poder político, Pio IX acentuou fortemente as suas prerrogativas na área religiosa. Sua ousadia tornou-se patente quando, através da bula Ineffabilis, proclamou o dogma da imaculada concepção de Maria (1854). Com isso, ele foi o primeiro pontífice a definir um dogma por si mesmo, sem o apoio de um concílio. Dez anos depois, Pio promulgou a encíclica Quanta cura (1864) e seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros. Suas oitenta proposições condenaram explicitamente, entre outras coisas, o protestantismo, a maçonaria, a liberdade de consciência, a liberdade de culto, a separação entre a igreja e o estado, a educação leiga e, em geral, o progresso e a civilização moderna. Sua última grande realização foi o Concílio Vaticano I (1870), o qual, através do decreto Pastor aeternus, proclamou o controvertido dogma da infalibilidade papal. Essa infalibilidade ocorreria quando o papa fala “ex cathedra”, isto é, no exercício oficial do seu cargo, definindo questões de fé e moral. Não por coincidência, isso ocorreu no mesmo ano em que a Itália anexou os estados pontifícios.

9. Entrando no século 20

A Igreja Católica e seus pontífices começaram lentamente a aceitar o mundo moderno com o papa Leão XIII (1878-1903). Embora ainda marcadamente conservador, a ponto de declarar na bula Immortale Dei que a democracia era incompatível com a autoridade da igreja, ele deu uma série de passos construtivos no relacionamento com diversos governos europeus. Sua realização mais notável foi a encíclica Rerum novarum (1891), na qual expressou o pensamento social da Igreja e fez uma corajosa defesa dos direitos dos trabalhadores no contexto da revolução industrial e do capitalismo em expansão.

Um período especialmente conturbado para a Igreja Católica e para os seus líderes foi a época das duas guerras mundiais. Em sua repulsa do comunismo anti-religioso e ateu, e em sua preocupação com a defesa dos interesses da igreja, os pontífices do período acabaram estabelecendo fortes laços com regimes de extrema direita em diversos países da Europa. Em 1929, Pio XI (1922-1939) assinou uma concordata com o ditador fascista Benito Mussolini, o Tratado de Latrão, mediante a qual foi criado o Estado do Vaticano. Ele também apoiou o regime ditatorial de Francisco Franco na Espanha. Mais problemática foi a concordata com Adolf Hitler em 1933, vista por muitos observadores internacionais como uma aprovação tácita do regime nazista. Todavia, em 1937 Pio XI publicou a encíclica Mit brennender Sorge (“Com viva ansiedade”), contendo severas críticas ao nacional-socialismo.

Seu secretário de estado, o cardeal Eugenio Pacelli, sucedeu-o no trono pontifício como papa Pio XII (1939-1958), ao mesmo tempo em que eclodia a II Guerra Mundial. Esse papa tem sido severamente criticado por seu silêncio diante das atrocidades cometidas pelos nazistas contra os judeus, mesmo convertidos ao catolicismo. No campo doutrinário, ele proclamou o dogma da ascensão corporal de Maria (1950). Paradoxalmente, esse pontífice conservador tomou iniciativas que contribuíram para as grandes mudanças que viriam a acontecer na igreja após a sua morte. Ele incentivou o uso dos novos métodos de estudo bíblico através da encíclica Divino afflante Spiritu (1943), bem como valorizou e estimulou as igrejas localizadas fora da Europa.

10. O período pós-Vaticano II

Um dos períodos mais extraordinários da história da igreja e do papado teve início com a eleição do idoso cardeal Angelo Giuseppe Roncalli como papa João XXIII (1958-1963). Convencido da necessidade de uma ampla atualização (aggiornamento) da igreja, ele convocou o Concílio Vaticano II, formalmente instalado no dia 11 de outubro de 1962. Esse importante concílio, que teve expressiva participação de bispos do terceiro mundo, aprovou resoluções sem precedentes nas áreas de renovação litúrgica, preocupação com os pobres e diálogo interconfessional. As duas últimas preocupações já haviam sido expressas respectivamente na encíclica Mater et Magistra e na criação do Secretariado para a Promoção da Unidade Cristã. O papa seguinte, Giovanni Battista Montini (Paulo VI, 1963-1978), embora mais contido, deu prosseguimento ao Concílio Vaticano II, no interesse de “construir uma ponte entre a Igreja e o mundo moderno”. A “Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno” foi o documento mais longo já produzido por um concílio e contrastou profundamente com certas ênfases do século anterior. Paulo VI também publicou a controvertida encíclica Humanae vitae (1968), que proibiu aos católicos o uso dos métodos de controle artificial da natalidade.

A eleição do último papa do século 20, em 1978, foi um acontecimento não menos momentoso para a Igreja Católica e para o mundo ocidental. O polonês João Paulo II (Karol Jozef Wojtyla) foi o primeiro papa não-italiano desde o século 16. Sua atuação corajosa contribuiu para a derrocada do comunismo em sua pátria e no leste europeu. Em 1981, ele sobreviveu a um grave atentado na Praça de São Pedro. Foi também o papa que mais se deslocou pelo mundo afora, tendo feito cerca de uma centena de viagens internacionais. Dotado de sólido preparo intelectual, publicou diversas encíclicas abordando temas éticos, sociais e teológicos, tais como Redemptor hominis (1979), Dives in misericordia (1980), Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1988), Veritatis splendor (1993), Evangelium vitae (1995), Ut unum sint (1995) e Fides et ratio (1998). Por outro lado, representou um recuo conservador em relação aos seus predecessores, como ficou evidenciado na sua atitude em relação à teologia da libertação, nas suas interferências diretas em muitas organizações da igreja e, em geral, no seu entendimento exaltado da autoridade papal.

Conclusão

Como foi apontado, nos últimos anos a instituição pontifícia teve vários momentos de grande publicidade, com a morte de João Paulo II, a eleição do seu sucessor Bento XVI, o influente cardeal alemão Joseph Ratzinger, a posterior renúncia deste, que recebeu o título de “papa emérito”, e a eleição do jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, com o título de Francisco. A impressionante cobertura da imprensa e as reações dos líderes políticos e da opinião pública internacional atestam a força do catolicismo e dos seus pontífices. No seu conjunto, o papado tem sido uma instituição predominantemente benéfica para a Igreja Católica, dando-lhe um notável senso de unidade, propósito e identidade. Muitos pronunciamentos papais sobre temas sociais e éticos têm sido altamente relevantes em um mundo secularizado e materialista. Suas fraquezas históricas têm sido o envolvimento político e um estilo de liderança nem sempre condizente com as normas dadas por Cristo aos pastores do seu rebanho. Finalmente, é de se lamentar que justamente essa instituição seja o maior obstáculo para uma maior aproximação entre os cristãos, visto que a autoridade pontifícia é rejeitada não somente pelos protestantes, mas pela Igreja oriental, que tem raízes tão antigas e apostólicas quanto a Igreja latina.

Sugestões bibliográficas

CONGAR, Yves. Igreja e papado: perspectivas históricas. São Paulo: Loyola, 1997.

DUFFY, Eamon. Santos e pecadores: história dos papas. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.

GREELEY, Andrew M. Como se faz um papa: a história da eleição de João Paulo II. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

MCBRIEN, Richard P. Os papas: os pontífices: de São Pedro a João Paulo II. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

SOUZA, José Antonio de C. R. de; BARBOSA, João Morais. O reino de Deus e o reino dos homens: as relações entre os poderes espiritual e temporal na baixa Idade Média, da reforma gregoriana a João Quidort. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.

STURZ, R. J. “Papado”. Em ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988-1990. Vol. III, p. 91-95.

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