Costuma-se associar a Reforma do Século 16 ao centro e ao norte da Europa, a países anglo-germânicos como Alemanha, Suíça, Holanda, Dinamarca, Suécia, Inglaterra e Escócia. Todavia, a Reforma também produziu impacto, embora mais limitado, nas nações latinas do centro-sul do continente. O caso mais notório é o da França, onde as ideias evangélicas tiveram expressiva penetração, resultando numa igreja reformada de considerável extensão que só não se tornou maior em virtude da forte repressão político-religiosa. A própria Itália sentiu os ventos da Reforma, sendo desse país notáveis líderes protestantes como Pedro Mártir Vermigli e Jerônimo Zanchi.
Para os evangélicos latino-americanos, é de especial interesse a presença da Reforma na Península Ibérica, isto é, na Espanha e em Portugal. No final do século 15, sob a liderança do cardeal Francisco Ximenez de Cisneros, monge franciscano e confessor da rainha Isabel, surgiu forte movimento reformista na Espanha. Uma de suas ênfases inovadoras foi a leitura e o estudo da Bíblia no treinamento dos sacerdotes. Nas novas universidades então criadas (Alcalá, Sevilha e Toledo), houve grande simpatia pelo trabalho de Erasmo de Roterdã e dos humanistas.
Em 1520, a ascensão do rei espanhol ao trono do Sacro Império Germânico, com o título de Carlos V, abriu as portas para a introdução de ensinos luteranos e reformados na Espanha. Esse movimento ficou confinado às classes mais elevadas, atraindo pessoas destacadas por sua posição ou saber e grande número de clérigos e teólogos. Entre eles estavam Alfonso de Valdés (secretário de Carlos V), Alfonso de Bernaldez (capelão do imperador), Bartolomé de Carranza y Miranda (arcebispo de Toledo), Rodrigo de Valera (fundador da igreja de Sevilha), Juan Gil ou Doutor Egídio (pregador de Sevilha), Don Carlos de Seso (nobre destacado) e os irmãos Francisco e Diego de Enzinas, o primeiro dos quais traduziu o Novo Testamento a partir do grego e o segundo foi executado pela Inquisição Romana em 1547. As novas ideias também penetraram em muitos mosteiros e conventos. Os principais centros desse protestantismo incipiente foram as cidades de Sevilha e Valladolid, cada qual com cerca de mil protestantes.
A partir de 1530 surgiu crescente oposição e perseguição contra as novas ideias, principalmente por parte da temida Inquisição Espanhola. Todavia, o fator que mais prejudicou o protestantismo ibérico foram as ações associadas aos protestantes em outros países, como a revolta dos camponeses na Alemanha, a aliança dos príncipes protestantes alemães com o rei da França e a revolta dos holandeses contra o governo espanhol. Os adeptos da Reforma passaram a ser considerados não somente heréticos, mas traidores e rebeldes. A repressão intensificou-se a partir da década de 1550, com muitas execuções nos tristemente famosos “autos da fé”. Juan Orts González resume: “Em 1570, o protestantismo espanhol estava aniquilado, na raiz e nos ramos, praticamente todos os seus conversos tendo sofrido exílio ou martírio, e nos três séculos seguintes o sangue de seus mártires foi como semente em solo estéril”. Seu contemporâneo Erasmo Braga exclamou: “Oh! Os destinos de nossa raça ibero-americana se naqueles dias fatídicos a Reforma não houvera sido arrancada com tenazes ardentes e com torrentes de sangue de nossas terras!”
O autor Theodor Schäfer menciona muitos outros personagens destacados: Juan de Valdés, Francisco de San Roman, Juan Diaz, Juan Pérez de Pineda, Constantino Ponce de la Fuente, Antonio del Corro, Casiodoro de Reyna, Cipriano de Valera, Pedro Galés, Melchior Roman etc. Vários deles se refugiaram em Genebra e na Inglaterra, onde exerceram relevantes funções acadêmicas e pastorais. Alguns encontraram abrigo junto à rainha Margarida de Navarra e à princesa Renata da França. Valdés defendeu o princípio da justificação pela fé e escreveu comentários de Romanos e 1Coríntios. Casiodoro de Reyna e Cipriano de Valera produziram um dos maiores legados da reforma espanhola, a primeira Bíblia completa em espanhol traduzida a partir das línguas originais (1569, 1602).
Em Portugal, a situação não precisou chegar ao nível de violência ocorrido na Espanha por causa de uma peculiaridade singular. De todos os países europeus, a nação lusitana foi a única não atingida pela Reforma no século 16. As razões para tal foram o isolamento do país, a ausência de meios fáceis de comunicação, a inexistência da preparação preliminar que ocorreu em outros regiões da Europa e, em especial, o despotismo político e eclesiástico então predominante. Esse fator foi intensificado pelo estabelecimento formal da Inquisição (1536) e pela chegada dos jesuítas (1540), a cujas mãos foram entregues os destinos da nação e de suas colônias nos duzentos anos seguintes.
O máximo que ocorreu em Portugal foi a surgimento de seguidores de Erasmo de Roterdã em algumas instituições, como o Colégio de Artes da Universidade de Coimbra. Esses distintos estudiosos humanistas eram portugueses que haviam lecionado em Paris e Bordeaux, mas também incluíam vários franceses e o escocês George Buchanan. Alguns deles, como João da Costa, Diogo de Teive e Buchanan, foram julgados pela Inquisição sob a acusação de luteranismo. O último dos erasmianos lusos, o idoso humanista, historiador e diplomata Damião de Góis (1502-1574), foi condenado a dois anos de prisão. Buchanan retornou para a França, abraçou o calvinismo e participou da reforma escocesa. Somente em meados do século 19 o protestantismo veio a se estabelecer de modo permanente na Península Ibérica.