Esse documento, cuja principal autoria é atribuída a Michael Sattler, é a confissão de fé dos Irmãos Suíços, mais conhecidos como anabatistas. Os líderes desse movimento inicialmente foram simpatizantes de Zuínglio, mas depois romperam com ele por causa do batismo infantil e da união entre igreja e estado, com os quais não concordavam.
Que a alegria, a paz, a misericórdia de nosso Pai – por meio da Expiação do sangue de Jesus Cristo, juntamente com os dons do Espírito que são enviados pelo Pai a todos os crentes para força, consolação e constância em toda a tribulação até o fim, amém – estejam com todos os que amam a Deus e com todos os filhos da luz, que estão espalhados por toda parte, onde quer que eles possam ter sido colocados por parte de Deus nosso Pai, onde quer que se reúnam em unidade de espírito no Deus e Pai de todos nós. Que a graça e a paz do coração estejam com todos vós. Amém. Amados irmãos e irmãs no Senhor, em primeiro lugar estamos sempre preocupados com o seu consolo e com os protestos da sua consciência (que esteve em algum momento confusa), para não estarem sempre separados de nós como estrangeiros e por direito quase completamente excluídos, mas que vocês possam tornar-se verdadeiros membros implantados de Cristo, armados com paciência e conhecimento de si e, assim, reunirem-se novamente conosco no poder de um espírito cristão devoto e zeloso para com Deus. É patente a multiplicidade de astúcias que o diabo vem usando para nos desviar, para poder destruir e subjugar o trabalho de Deus que em nós misericordiosa e graciosamente começou parcialmente. Mas o verdadeiro Pastor das nossas almas, Cristo, que começou essa obra em nós, vai nos dirigir e ensinar o mesmo até o fim, para a Sua glória e nossa salvação, amém.
Queridos irmãos e irmãs, reunidos no Senhor em Schleitheim [nas colinas] de Randen façamos saber, em pontos e artigos, a todos os que amam a Deus, que estamos unidos e permanecemos firmes no Senhor, como filhos obedientes de Deus, filhos e filhas, que estão e permanecerão separados do mundo em tudo o que fazemos e deixamos de fazer, e (louvor e glória a Deus somente) sem contradição por todos os irmãos, completamente em paz. Nestas coisas percebemos a unidade do Pai e do nosso Cristo, presente entre nós em seu espírito. Porque o Senhor é Deus de paz e não de brigas, como Paulo indica. Para que vocês compreendam em que pontos isto ocorre, vocês devem observar o seguinte: Uma enorme ofensa foi introduzida por alguns falsos irmãos entre nós, fazendo com que vários desviassem da fé, julgando praticar e respeitar a liberdade do Espírito e de Cristo. Mas por ficaram aquém da verdade e (para sua própria condenação) se entregaram à lascívia e à licença da carne. Eles acham que a fé e o amor podem fazer e permitir tudo e que nada pode prejudicar nem condená-los, pois eles são “crentes”. Notem bem, vocês membros de Deus em Cristo Jesus, que a fé no Pai celestial através de Jesus Cristo não se forma assim: ela não produz e nem traz essas coisas que esses falsos irmãos e irmãs praticam e ensinam. Estejam atentos e precavidos com tais pessoas, pois elas não servem nosso Pai, mas o pai deles, o diabo. Mas vocês não são assim, porque os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com todos os seus desejos e anseios. Vocês me entendem bem, e sabem o que queremos dizer. Apartai-vos deles porque são pervertidos. Orem ao Senhor para que eles possam ter conhecimento para o arrependimento, e por nós para que possamos permanecer e perseverar no caminho que trilhamos, para a glória de Deus e de Cristo, Seu Filho. Amém.
A Confissão de Schleitheim Aprovada pela Conferência dos Irmãos Suíços em 24 de fevereiro de 1527. Sete Artigos Deliberados pela União Fraternal de Vários Filhos de Deus. Os artigos que discutimos e que por unanimidade concordamos são estes: 1. O batismo; 2. O banimento; 3. O partir do pão; 4. A separação da abominação; 5. Os pastores da igreja; 6. A espada; 7. O juramento.
Artigo I. Observações sobre o batismo:
O batismo deve ser dado a todos aqueles que se arrependem e mudam de vida, e que verdadeiramente acreditam que seus pecados são levados por Cristo, e a todos aqueles que andam na ressurreição de Jesus Cristo, e que desejam ser sepultados com Ele na morte, para que possam ser ressuscitados com Ele, e para todos aqueles que, com esta compreensão, o pedem a nós e o procuram para si. Isso exclui todo batismo infantil, a maior e principal abominação do Papa. Nele temos as razões e o testemunho dos apóstolos. Queremos mantê-lo com simplicidade, mas com firmeza e segurança.
Artigo II. Sobre o banimento deliberamos o seguinte:
O banimento deve ser empregado a todo aquele que, apesar de se entregar ao Senhor, seguir [Cristo] nos seus mandamentos; ser batizado no corpo de Cristo e ser chamado de irmão ou irmã, escorregou e caiu no erro e no pecado, mesmo inadvertidamente. O mesmo deve por duas vezes ser admoestado em segredo e na terceira vez abertamente disciplinado ou banido diante de toda congregação de acordo com o mandamento de Cristo (Mateus 18). Mas isso deve ser feito de acordo com a regulação do Espírito antes de partir do pão, para que possamos todos em um espírito e em um amor, partir e comer de um pão e beber de um copo.
Artigo III. Sobre o partir do pão:
Concernente ao partir do pão, nos tornamos um e concordamos que: Todo aquele que deseja partir o pão em memória do corpo partido de Cristo e deseja beber como lembrança do sangue derramado de Cristo, deve ser previamente unido no corpo de Cristo que é a igreja de Deus e cuja cabeça é Cristo. Porque não podemos, como Paulo assinala, ao mesmo tempo beber o cálice do Senhor e o cálice do diabo. Ou seja, todos aqueles que têm comunhão com as obras mortas das trevas não têm parte na luz. Portanto, todos os que seguem o diabo e o mundo não têm parte com aqueles que são chamados por Deus para fora do mundo. Todos os que se encontram no mal não têm parte no bem. Por isso, é e deve ser assim: Quem não foi chamado por Deus a uma só fé, um só batismo, um só Espírito, um só corpo, com todos os filhos da igreja de Deus, não pode ser feito um só pão com eles. E deve ser feito em verdade, se a pessoa deseja realmente repartir o pão de acordo com o mandamento de Cristo.
Artigo IV. Estamos de acordo sobre a separação efetiva:
Estamos de acordo sobre a separação efetiva do mal e da maldade que o diabo plantou no mundo, assim simplesmente; não devemos ter nenhum companheirismo com eles, [56] e não colaborar com eles na confusão de suas abominações. Ou seja: uma vez que todos aqueles que não entraram na obediência da fé, nem se uniram a Deus para fazer Sua vontade são uma grande abominação diante de Deus, então nada pode realmente crescer ou vir deles a não ser coisas abomináveis. Agora não há nada no mundo e em toda a criação além de bem ou mal, crentes e descrentes, escuridão e luz, o mundo e os que estão [saíram] fora do mundo, o templo de Deus e templos de ídolos. Cristo e Belial, e nenhum terá parte com o outro. A nós, então, o mandamento do Senhor é também óbvio, por meio dele Ele nos ordena ser e nos tornar separados do mal, e assim Ele será nosso Deus e nós seremos seus filhos e filhas. Mais adiante, Ele nos previne sair da Babilônia e do Egito terrestre, para que não sejamos partícipes no tormento e sofrimento que Deus trará sobre eles. A partir disso, devemos aprender que tudo o que não está unido com nosso Deus em Cristo não pode ser outra coisa senão uma abominação que devemos evitar. Por abominação se entende toda idolatria e serviços eclesiais católicos e protestantes, reuniões e frequência à igreja, chás nas casas, juramentos e compromissos de incrédulos, e outras coisas desse tipo, que embora altamente respeitadas por todo mundo, são carnais ou praticadas em evidente contradição com o mandamento de Deus, e de acordo com toda a injustiça que está no mundo. De todas essas coisas devemos estar separados e não ter parte com elas, pois elas não são outra coisa senão abominação, e elas são a causa de sermos odiados como antes o foi Jesus Cristo, que nos libertou da escravidão da carne e proveu-nos para o serviço de Deus através do Espírito que Ele nos deu. Assim também devemos abolir de nosso meio as diabólicas armas da violência – como a espada, armaduras e similares, e todo uso delas para proteger amigos ou contra inimigos – em virtude da palavra de Cristo: “você não resistirá ao mal”.
Artigo V. Quanto aos pastores na igreja de Deus, concordamos o seguinte:
Quanto aos pastores na igreja de Deus, concordamos o seguinte: O pastor na igreja será uma pessoa de acordo com a regra de Paulo, plena e completamente, que tenha um bom discernimento com relação aos que estão fora da fé. Essa função inclui ler, admoestar, ensinar, advertir, disciplinar, banir da Igreja, e corretamente dirigir os irmãos e irmãs em oração, e no partir do pão, e em todas as coisas cuidar do corpo de Cristo, para que cresça e se desenvolva para que possamos louvar e honrar o nome de Deus, e calar a boca do caluniador. Ele será apoiado, no que ele precisar, pela congregação que o escolheu, de forma que aquele que serve o Evangelho viva do Evangelho como o Senhor ordenou. (1 Cor. 9:14). Mas, se um pastor fizer algo merecedor de reprimenda, nada será feito contra ele sem o depoimento de duas ou três testemunhas. Se eles pecarem serão repreendidos publicamente, de forma que outros possam temer. Mas se o pastor tiver que ser afastado ou conduzido ao Senhor pela cruz na mesma hora outro deve ser nomeado para o lugar dele, de forma que o pequeno povo e o pequeno rebanho de Deus não possa ser destruído, mas seja preservado pelas advertências e seja consolado.
Artigo VI. Concordamos com o seguinte sobre a espada:
Concordamos com o seguinte sobre a espada: A espada é uma ordenação de Deus fora da perfeição de Cristo. Ela pune e mata os maus e guarda e protege o bem. A lei da espada foi estabelecida contra os ímpios para punição e morte, e os governantes seculares foram estabelecidos para usá-la. Mas, dentro da perfeição de Cristo, apenas o banimento é utilizado, para a advertência e exclusão de quem pecou, sem a morte da carne, é simplesmente aviso e mandamento para não mais pecar. Agora, muitos, que não entendem a vontade de Cristo para nós, vão perguntar se um cristão pode ou não usar a espada contra os ímpios para a proteção e defesa do bem, ou por causa do amor. Nossa resposta unânime é: Cristo nos ensina e nos ordena a aprender com ele, pois Ele é manso e humilde de coração e assim acharemos descanso para nossas almas. Agora, Cristo diz, com relação à mulher que foi apanhada em adultério, que ela não deveria ser apedrejada segundo a lei de Seu Pai (e sobre isso diz: “O que o Pai me ordenou, eu faço”), mas, com misericórdia e perdão, advertiu-a para não mais pecar, dizendo: “Vai, não peques mais”. Exatamente assim também devemos proceder, de acordo com a regra do banimento. Segunda questão relativa à espada: se um cristão deve participar de disputas e contendas em assuntos mundanos como os incrédulos fazem entre si. A resposta: Cristo evitou decidir ou emitir julgamento entre irmão e irmão sobre herança, se recusou a fazê-lo. Então, devemos também fazer assim. Terceira questão relativa à espada: se o cristão poderia ser um magistrado caso fosse indicado. Essa pergunta é respondida assim: Cristo seria feito Rei, mas Ele evitou e não discerniu [isso] na ordem do Seu Pai. Assim também devemos fazer como Ele fez e segui-lo, assim não andaremos nas trevas. Pois ele mesmo diz: “Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Ele mesmo ainda proíbe a violência da espada, quando diz: “Os príncipes deste mundo têm poder sobre elas, etc, mas entre vocês não será assim.” Além disso, Paulo diz: “A quem Deus pré-conheceu, ele tem também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho” etc. Pedro também diz: “Cristo sofreu (não governou), deixando-lhes exemplo para que sigam seus passos”. Enfim pode-se ver nos seguintes pontos que não convém a um cristão ser um magistrado: a regra do governo é segundo a carne, a dos cristãos segundo o espírito. As casas onde moram permanecem neste mundo, a dos cristãos está no céu. A cidadania deles está neste mundo, a dos cristãos está no céu. As armas de batalha deles são carnais, e somente contra a carne, mas as armas dos cristãos são espirituais, contra a fortificação do diabo. O mundano está armado com aço e ferro, mas os cristãos estão armados com a armadura de Deus, com a verdade, justiça, paz, fé, salvação e com a Palavra de Deus. Em suma: Cristo é a nossa cabeça, e os membros do corpo de Corpo de Cristo devem ser conduzidos por Ele, para que não haja divisão no corpo pela qual seria destruído. Desde então, Cristo é o que Dele está escrito. Assim, devem Seus membros também ser, de modo que seu corpo possa permanecer inteiro e unificado para seu próprio avanço e edificação. Pois todo reino dividido contra si mesmo será destruído.
Artigo VII. Concordamos o seguinte sobre juramento:
O juramento é um compromisso entre aqueles que estão disputando ou fazendo promessas. Na Lei é ordenado que seja feito em nome de Deus, verdadeiramente, não falsamente. Cristo, que ensina a perfeição da lei, proíbe a Seus [discípulos] todo juramento sobre algo ser verdadeiro ou falso; nem pelo céu, nem pela terra, nem por Jerusalém, nem pela nossa cabeça; e Ele explica a razão, “porque vocês não podem tornar um cabelo branco ou preto”. Como vêem, todo juramento é proibido: não podemos executar o que prometemos ou juramos, pois não podemos mudar a menor parte de nós mesmos. Agora há alguns que não dão crédito ao mandamento simples de Deus, e dizem: “Mas o próprio Deus fez promessas a Abraão, porque Ele era Deus (prometeu estar com ele, prometeu ser o Deus dele caso guardasse Seus mandamentos). Por que então eu não deveria também prometer algo a alguém?” Resposta: Ouça o que diz a Escritura: “Deus, pois, queria mostrar mais abundantemente aos herdeiros a imutabilidade de sua promessa, inserindo uma promessa. (Por ser impossível a Deus mentir), poderemos ter uma forte consolação”. Observe o significado desta passagem: Deus tem o poder de fazer o que Ele proíbe para nós, pois tudo é possível para Ele. Deus fez uma promessa a Abraão, diz a Escritura, para mostrar que Seu conselho é imutável. Ou seja, ninguém pode resistir, nem impedir seus desígnios. Mas nós não podemos, como Cristo disse acima, cumprir ou executar nossos juramentos, portanto, não devemos prometer nada. Outros dizem que o juramento não pode ser proibido por Deus no Novo Testamento pois foi autorizado no Velho, apenas foi proibido jurar pelo céu, pela terra, por Jerusalém, e por nossa cabeça. Resposta: Ouvi a Escritura: Aquele que jura pelo céu jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está assentado. Observe: se é proibido jurar pelo céu, que é apenas o trono de Deus: quanto mais pelo próprio Deus! Insensatos e cegos, quem é maior, o trono ou aquele que nele está sentado? Outros dizem: se é errado usar o nome de Deus para confirmar a verdade, então os apóstolos Pedro e Paulo também juraram. Resposta: Pedro e Paulo apenas testemunharam o que Deus prometeu a Abraão, e que nós também temos recebido. Mas quando alguém testemunha, a pessoa faz isso interessada no que está presente, se é bom ou mal. Simão falou de Cristo para Maria e testemunhou: “Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel”. Cristo nos ensina de forma semelhante quando diz: “Deixe sua palavra ser sim, sim; não, não, porque tudo o que é mais do que isso provém do mal”. Ele diz que seu discurso ou palavra deve ser sim e não, de forma que ninguém poderia entender que Ele tenha permitido isto. Cristo simplesmente é sim e não, e todos aqueles que O buscam simplesmente entenderão a Palavra dele. Amém.
Os 7 artigos de Schleitheim, Cantão de Schaffhausen, Suíça, 24 de fevereiro de 1527
Queridos Irmãos e Irmãs no Senhor: estes são os artigos que alguns irmãos previamente entenderam de modo errado, diferente do verdadeiro significado. Assim muitas consciências fracas ficaram confusas, pelo fato do nome de Deus ter sido caluniado foi necessário chegarmos a um acordo no Senhor. A Deus seja dado o louvor e a glória! Agora que você compreendeu plenamente a vontade de Deus revelada por nós neste momento, você deve realizá-la com convicção, persistência e fidelidade. Para que você saiba bem qual a recompensa do servo que conscientemente peca. Tudo que você fez inadvertidamente e que agora confessa ter agido injustamente está perdoado. Nessa reunião com fé suplicamos, por causa de todas nossas faltas e culpas, pelo gracioso perdão de Deus, em nome de Jesus Cristo. Amém. Afaste-se de tudo que não se enquadre na simplicidade da verdade divina que foi declarada por nós nesta carta em nossa reunião, de forma que todos possamos ser governados pela regra da proibição, para que daqui em diante a entrada de falsos irmãos e irmãs entre nós possa ser prevenida. Afastem-se de tudo que é mau, e o Senhor será seu Deus, e vocês serão Seus filhos e filhas. Queridos irmãos, lembrem-se do aviso que Paulo deu a Tito: “A graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens. Ela nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nessa era presente, enquanto aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo. Ele se entregou por nós a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para si mesmo um povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras”. Pensem nisto, e coloquem isso em prática, e o Deus de paz estará com vocês. Que o nome de Deus seja sempre e grandemente bendito e louvado, Amém. Que Deus possa lhe dar-lhe Sua paz, Amém.
Schleitheim, dia de São Mateus, 1527.