Viagem ao campo missionário
No dia 18 de junho de 1859, partindo de Baltimore a bordo do veleiro Banshee, Ashbel Green Simonton iniciou a longa viagem para o Brasil. O jovem missionário registrou em seu Diário, com grande riqueza de detalhes, as experiências da viagem: o desconforto inicial e a familiaridade crescente com a vida no mar, a beleza dos dias ensolarados, dos pores-do-sol e do maravilhoso céu estrelado, a primeira visão do Cruzeiro do Sul (“é o símbolo de minha missão”), os estudos bíblicos com os marinheiros, a passagem pela linha do Equador e pela ilha de Fernando de Noronha e as extensas leituras para preencher o tempo (“li metade da obra de Shakespeare”).
Ele informa sobre o local inusitado que escolheu para seus momentos devocionais: “Subi pelas cordas do mastro, uns vinte e cinco pés de altura, meu lugar favorito quando quero ficar só para meditar e comunicar-me com Deus”. Faltando menos de dez dias para Simonton chegar ao destino, ocorreu um incidente aterrador que quase o levou à morte – surgindo repentinamente da escuridão, outro navio por pouco não colidiu com o Banshee, passando a poucos metros da popa. O missionário comentou: “Desde o princípio entreguei meus caminhos a Deus e dei-lhe a direção da minha vida, e desde então o sentimento de segurança jamais me abandonou. O Deus que ouve e responde as orações arrebatou-me do caminho do perigo e da provável destruição” (04/08).
No dia 9 de agosto, depois de avistar à distância o Pão de Açúcar e o Corcovado, o pioneiro escreveu: “Sentiria dificuldade em descrever a emoção que tomou conta de mim ao ver aqueles picos altaneiros dos quais tenho ouvido falar e lido tantas vezes, os quais me dizem que a viagem terminou e cheguei ao meu novo lar e campo de trabalho. Minhas emoções eram tão conflitantes que não seria possível descrevê-las com fidelidade. Os sentimentos predominantes eram o contentamento pelo final feliz de uma longa viagem e o temor pela grande responsabilidade e pelas dificuldades do trabalho que esperava por mim”.
Primeiras experiências no Brasil
Chegando ao Rio de Janeiro, Simonton anotou em seu Diário as novas experiências: pregações em navios ancorados na baía, dificuldade em aprender o idioma, um desentendimento com o Rev. Robert Kalley e a bonita reconciliação entre ambos, os sentimentos de solidão. Em meio a tudo isso, ele tem certeza acerca de seu chamado: “Sinto-me encorajado pelo aspecto das coisas e esperançoso quanto ao futuro. Existem indicações de que um caminho está sendo aberto aqui para o evangelho” (31/08). Ao findar o ano, Simonton afirma: “Tenho gozado mais paz, mais calma mental e certeza de estar no caminho do dever e, portanto, felicidade mais verdadeira, do que em 1858 quando hesitante me debatia sobre o chamado para sair do país como missionário. Agradeço a Deus todos os caminhos por onde me levou e gostaria de estar exatamente onde estou, e em nenhum outro lugar, pois este é, creio, meu campo de trabalho” (31/12).
Ao se defrontar com os novos desafios no Brasil, Simonton sente profunda necessidade de consagração a Cristo. Seu Diário contém passagens tocantes a esse respeito.
3 de outubro de 1859
Tive novas experiências de minha própria fraqueza e impotência, e necessidade da graça divina. Estou buscando experiências mais profundas das coisas divinas. Preciso cultivar minha própria piedade, ou nada poderei fazer pelos outros. Sou tão vazio de amor a Cristo e ódio ao pecado que temo haver algo errado comigo – e que pouco poderei fazer aqui. Deus é santo e eu não sou. Irá ele usar tal instrumento?
2 de dezembro de 1859
Sinto fortemente que preciso ter um conhecimento mais claro de Cristo e um senso perceptível de sua presença e amor. Ser missionário sem ter amor fervoroso por Cristo e zelo pelas almas é mau negócio. Devo renovar a minha consagração.
31 de dezembro de 1859
Minha religião é muito morta, minhas orações caem por terra, faltando-lhes o impulso do sentimento jubiloso e vivo. Por isso vou implorar a Deus. Vou buscar a renovação de minha vocação e a consciência de amar Aquele cuja palavra prego. Senhor, fala comigo como fizeste com Pedro, convencendo-me da necessidade do amor e produzindo no meu íntimo, por teu poderoso comando, a graça celeste que me capacite a alimentar teus cordeiros e tuas ovelhas.
11 de abril de 1860
Quando olho para mim mesmo, a fim de ver quais progressos fiz em direção ao céu, no cultivo das graças espirituais, na mortificação dos pecados e na competência para o trabalho missionário, tenho muitas razões para vergonha e perplexidade. Sei o que deveria ser, que a graça de Deus é suficiente para ajudar-me a ser, mas exceto por algumas aspirações, resoluções e orações, pouco pareço ter conseguido. Sinto profundamente a necessidade de fé.
13 de agosto de 1860
Ontem foi o aniversário de minha chegada ao Brasil. Faz apenas um ano que sou missionário… O requisito mais importante e mais difícil para o missionário é manter sua própria alma em sintonia com o trabalho do Mestre. Sinto que não progredi muito e que esse pecado deve humilhar-me profundamente na presença de Deus. Entro, pois, no meu segundo ano com meu alvo definido – ter maior cuidado com minha vida interior, procurar a santidade e a inteira consagração a Cristo.
20 de janeiro de 1861
Em meu próprio progresso pouco existe a assinalar… Mais do que qualquer coisa, preciso do batismo do Espírito Santo. Se agora enquanto espero, na iminência de iniciar o trabalho ativo de pregação do evangelho de Cristo, pudesse receber o dom do Espírito para habilitar-me para o trabalho, como ficaria feliz. Desejo pregar Cristo mais em termos de experiência, ser capaz de falar do que sei porque Cristo o mostrou a mim. Não posso conceber chamado mais alegre e exaltado que o daquele que, cheio de Cristo pela comunhão íntima e diária com ele, trabalha diariamente para trazer uma nação à mesma felicidade.