Um dos eventos mais importantes da nascente obra presbiteriana no Brasil foi a conversão do sacerdote José Manoel da Conceição (1822-1873). Até onde se sabe, ele veio a ser o primeiro brasileiro a se tornar pastor protestante. No opúsculo “Sentença de excomunhão e sua resposta” (1867), ele registrou algumas informações valiosas sobre a sua vida.
Sua infância e formação
“Nasci na cidade de São Paulo aos 11 de março de 1822. Meus pais, mudando-se dois anos mais tarde para Sorocaba, levaram-me consigo e lá cresci. Na idade de doze anos comecei a estudar, e daí até completar vinte e três tinha feito os meus exames de latim, francês, lógica, retórica e teologia moral e dogmática. Em 1844 fui ordenado diácono pelo finado bispo D. Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, e por dezoito anos paroquiei nas igrejas de Água Choca [Monte-Mor], Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira, Ubatuba e Brotas”.
Influência da leitura da Bíblia
“O pouco que podia ler da Bíblia nunca deixou de tocar-me. Do tesouro das preciosidades adquiridas nessa leitura tirava o material de que carecia para falar, para pensar e mesmo para agir. Não tardei a achar-me em contradição com muitas das doutrinas e práticas da Igreja Romana, e isto minhas prédicas não podiam deixar de revelar, tanto que me haviam procurado o epíteto de protestante”.
Em 1865, alguns meses após sua profissão de fé no Rio de Janeiro (23.10.1864), ele escreveu um belo e poético texto autobiográfico, “Profissão de fé evangélica”, do qual são retirados os trechos a seguir.
Contatos iniciais com protestantes
“Freqüentava a Fábrica de Ferro de Ipanema, em Sorocaba, na minha Província, visitando ali a família Godwin, cujo pai era diretor das máquinas a vapor do estabelecimento. Senti-me tocado profundamente ao ver o silêncio que no domingo reinava por toda parte. Era uma família inglesa. Admitido na sociedade da mesma, vi que todos se empregavam na leitura da Bíblia e de outros livros espirituais. Visitei depois quase todas as casas dos alemães. Em toda parte, sempre o mesmo quadro de culto e religião!”
Primeira conversa com o Rev. Blackford
“Contemplava um dia em minha janela o gado que pastava ou retouçava-se no verde, à margem do Corumbataí. Aproximavam-se da minha humilde habitação dois cavaleiros. Já um deles conhecia eu de longa data; o outro, porém, pareceu-me belo como a estrela d’alva em uma manhã de setembro e angélico na forma… Rápida foi a nossa entrevista. Assim convém às mensagens do Senhor. Os corações se compreenderam, as mãos se deram mútua e fraternalmente. Uma grande aliança se tinha contratado, uma eternidade de gozo inundava minha alma”.
Com os novos amigos em São Paulo
“A semente lançada na terra amanhada vigorosa brotava. Uma retribuição de visita me aproximou por meu turno daquele pastor… Sua muito nobre senhora Madame Blackford, cuja alma é o santuário do Espírito de Deus, a primeira palavra que me dirigiu foi um convite para comungar na sua igreja. A surpresa embaraçou-me por um momento… Três grandes nomes, que farão eternamente o objeto da minha gratidão, são inseparáveis da minha conversão e entrada na família cristã. Estes nomes são A. L. Blackford, sua muito nobre senhora e A. G. Simonton. Eis os dignos instrumentos de que quis Deus servir-se para me fazer cristão”.
Seu batismo e profissão de fé
“Era um belo dia. Ao som do harmônio e de vozes humanas que cantavam hinos, fui levado a uma fonte de água pura. Suponhamos dois daqueles anjos de Klopstock na Messíada. Tais eram os dois ministros do Senhor que velavam no meu interesse. Fizeram-me lavar e cobriram-me de bênçãos. Foi para mim um momento solene”.
Poucas semanas antes de sua profissão de fé, Conceição havia escrito uma carta ao bispo de São Paulo, D. Sebastião Pinto do Rego, desligando-se de sua antiga igreja.
Carta a D. Sebastião
“Excelentíssimo e reverendíssimo senhor bispo. Renunciar a uma religião que me inspirou os melhores atos de minha vida é passo tão sério que apenas uma convicção inamovível – a fé, me decidiu a tomá-lo… A V. Excia., príncipe da igreja a que pertenci, devo antes de tudo confessar que dela me separei porque no evangelho de Cristo, nosso Divino Redentor, aprendi a não confundir com Seu ensino máximas, invenções e tradições de homens. Sinto que, como atualmente se constitui a Igreja de Roma, é absolutamente impossível manter intacta, em seu seio, aquela liberdade de consciência indispensável à pregação e à prática do evangelho. Separando-me dessa igreja eu poderei remover os obstáculos a uma vida mais conforme com Jesus Cristo, de cujo evangelho não somente não me envergonho, mas confesso solenemente que somente ele pode indicar-me o caminho da vida, ensinar-me a verdadeira vida aqui e na eternidade, pela fé na redenção do Filho de Deus”.
A ordenação do novo obreiro presbiteriano se deu em São Paulo no dia 17 de dezembro de 1865, ao organizar-se o Presbitério do Rio de Janeiro. O sermão de prova teve por base Lucas 4.18,19: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados de coração, e apregoar liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor”. O Rev. Simonton iniciou o seu discurso de paraninfo: “Somos embaixadores da parte de Cristo; é como se Deus, por nós, rogasse”.