1. Primórdios reformados nos Estados Unidos
Um dos eventos mais decisivos para a história do movimento reformado foi a implantação da fé calvinista nos Estados Unidos da América, de onde ela se difundiu para muitas outras partes do mundo, inclusive a América Latina. O calvinismo foi levado para a América do Norte por três grupos distintos de europeus: os puritanos ingleses, os reformados continentais e os presbiterianos escoceses-irlandeses.
Os primeiros a chegarem, em 1620, foram os puritanos que fugiam da intolerância religiosa na Inglaterra, na época do rei Tiago I. Eles se fixaram na região da Nova Inglaterra, fundando, entre outras, as colônias de Massachusetts e Connecticut. Muitos desses puritanos estavam ligados à Igreja da Inglaterra (Anglicana), mas com o passar do tempo criaram a Igreja Congregacional, com suas comunidades locais autônomas. O puritanismo americano manteve-se relativamente estável e dinâmico até meados do século 18, na época do importante avivamento conhecido como Primeiro Grande Despertamento. O líder mais importante desse período foi o notável pastor e teólogo Jonathan Edwards (1703-1758), que atuou na cidade de Northampton, em Massachusetts.
Nas décadas seguintes, a influência do deísmo e do racionalismo marcaram o fim do puritanismo norte-americano. Por volta de 1800, a maior parte das antigas igrejas congregacionais da Nova Inglaterra se tornaram unitárias, abandonando a tradicional crença cristã na Trindade. Nessa época, sob o impacto das mesmas influências, as célebres instituições de ensino fundadas pelos puritanos se secularizaram, principalmente os colégios de Harvard (1636) e Yale (1701). No meio dessas perdas, os congregacionais se esforçaram por manter a sua identidade. Eles foram muito ativos na evangelização da fronteira oeste e, reagindo contra o liberalismo de Harvard, criaram o Seminário de Andover (1807), o primeiro dos Estados Unidos. Alguns alunos dessa escola pioneira criaram em 1810 a Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras, que contribuiu para o vigoroso movimento missionário mundial do século 19.
A fé reformada também foi levada às colônias da América do Norte por diferentes grupos da Europa continental que adotavam a forma de governo presbiterial. Os primeiros foram os holandeses, que fundaram Nova Amsterdã (a futura Nova York) em 1623. Eles e seus descendentes organizaram a Igreja Reformada da América (1792) e a Igreja Cristã Reformada (1847). Os huguenotes franceses também foram em grande número para o novo país, fugindo da perseguição religiosa em sua pátria resultante da revogação do Edito de Nantes, em 1685. Especialmente numerosos e influentes foram os reformados alemães, que emigraram entre 1700 e 1770 e se fixaram principalmente na Pensilvânia, de onde foram para o vale da Virgínia e as Carolinas do Norte e do Sul. A maior parte deles filiou-se à Igreja Reformada dos Estados Unidos (1793). Existe também a pequena Igreja Reformada Húngara da América (1924). A maior parte dessas denominações reformadas adotaram como suas bases doutrinárias a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones do Sínodo de Dort. Com o passar dos anos, muitos desses imigrantes e seus descendentes ingressaram na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América.
2. O presbiterianismo norte-americano (I)
O principal grupo formador da igreja presbiteriana nos Estados Unidos foi o dos escoceses-irlandeses, ou seja, os descendentes de escoceses que haviam se fixado no norte da Irlanda e posteriormente emigraram para a América. Durante o século 18, pelo menos 300 mil cruzaram o Atlântico, indo radicar-se principalmente nas colônias centrais: Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia, Maryland, Virgínia, Carolina do Norte e Carolina do Sul. No oeste da Pensilvânia, eles fundaram a cidade de Pittsburgh, por muitos anos considerada a cidade mais presbiteriana dos Estados Unidos.
Já no século 17 haviam surgido diversas igrejas locais presbiterianas, que viviam isoladas umas das outras. No início do século seguinte elas começaram a unir-se em concílios, uma das principais características do presbiterianismo. O principal líder dessa iniciativa foi o Rev. Francis Makemie (1658-1708), considerado o “pai do presbiterianismo americano”. Ordenado na Irlanda em 1683, ele foi logo em seguida para a América do Norte. Fundou diversas igrejas em Maryland e outras regiões, e viajou extensamente incentivando os presbiterianos. Como a Igreja Anglicana era a igreja oficial em várias colônias, ele sofreu perseguições; chegou mesmo a ser preso em Nova York em 1706.
Sob a liderança de Makemie, foi organizado em 1706 o Presbitério de Filadélfia, o primeiro do país, com a presença de sete pastores e alguns presbíteros. Em 1717, a existência de três presbitérios permitiu a criação do Sínodo de Filadélfia. Nessa época, a denominação tinha apenas 19 pastores, 40 igrejas e cerca de três mil membros. Em 1729 foi aprovado o Ato de Adoção, que adotou a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster como os padrões doutrinários do Sínodo. Outro líder destacado dessa época foi o Rev. Gilbert Tennent (1703-1764), um dos precursores do Primeiro Grande Despertamento, que estudou no Log College (Colégio de Toras), a primeira escola para preparação de pastores.
Entre 1741 e 1758, devido a diferenças acerca do avivamento e da educação teológica, os presbiterianos se dividiram em dois grupos: Ala Velha (Sínodo de Filadélfia) e Ala Nova (Sínodo de Nova York). Nesse período de divisão, vários evangelistas notáveis como Samuel Davies, Alexander Craighead e Hugh McAden trabalharam com grande êxito no sul do país, especialmente na Virgínia e nas Carolinas. Durante a Revolução Americana os presbiterianos tiveram uma atuação destacada, muitos deles tendo lutado na guerra de independência. O Rev. John Witherspoon (1723-1794), um escocês que foi presidente do Colégio de Nova Jersey (a futura Universidade de Princeton), fundado em 1746, foi o único pastor que assinou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776.
Em 1788, o Sínodo de Nova York e Filadélfia dividiu-se em quatro (Nova York e Nova Jersey, Filadélfia, Virgínia e Carolinas) e no dia 21 de maio de 1789 reuniu-se pela primeira vez a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América. Na época, a Igreja Presbiteriana era a denominação mais influente da nova nação. Em 1800, contava com cerca de 180 pastores, 430 igrejas e 20 mil membros. Ao longo do século 18, surgiram outros dois grupos presbiterianos nos Estados Unidos: a Igreja Presbiteriana Reformada e a Igreja Presbiteriana Associada, que se uniram em 1781.
3. O presbiterianismo norte-americano (II)
O Segundo Grande Despertamento, que surgiu por volta de 1800 e se estendeu por várias décadas, gerou enorme crescimento nas igrejas protestantes dos Estados Unidos, inclusive a presbiteriana. Em 1801, os presbiterianos e os congregacionais iniciaram um trabalho cooperativo, o Plano de União, que durou quase 40 anos e resultou na criação de muitas igrejas no Estado de Nova York e regiões vizinhas. As duas igrejas também cooperaram na criação da Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras (Boston, 1810), a primeira agência de missões internacionais dos Estados Unidos. Pouco depois, em 1812, foi fundado em Nova Jersey o Seminário Teológico de Princeton, o mais importante da denominação, e em 1816 foi criada a Junta de Missões Nacionais. Em 1837, graças ao avivamento e ao esforço missionário, a Igreja Presbiteriana tinha crescido para 2.140 pastores, 2.965 igrejas e 220.000 membros (onze vezes mais que em 1800).
Várias controvérsias abalaram o presbiterianismo americano nesse período. Em 1810, um grupo que defendia padrões menos rigorosos de preparação para o ministério e a ordenação de leigos que não haviam feito os estudos teológicos regulamentares criou a Igreja Presbiteriana de Cumberland. Mais importante foi a divisão entre as correntes conhecidas como Velha Escola e Nova Escola. A primeira, mais forte nos estados centrais e do sul, tinha reservas quanto ao avivamento e era fortemente apegada aos padrões de Westminster. A Nova Escola, localizada em Nova York e na Nova Inglaterra, defendia um calvinismo atenuado. Em 1837, a Velha Escola adquiriu o controle da Assembleia Geral, cancelou o Plano de União e excluiu quatro sínodos inteiros, que haviam sido organizados sob esse plano, surgindo duas denominações distintas que ficaram separadas por mais de 30 anos. Na mesma ocasião, foi criada a Junta de Missões Estrangeiras, sediada em Nova York. Em 1859, essa junta enviaria Ashbel G. Simonton para o Brasil.
O problema angustioso da escravidão gerou novas dificuldades. Em 1857, os presbiterianos da Nova Escola se dividiram entre o norte e o sul. Quatro anos depois, em 1861, a Velha Escola também se dividiu entre as duas regiões, o que levou ao surgimento da Igreja Presbiteriana dos Estados Confederados ou Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, mais conhecida como Igreja do Sul (PCUS). Finalmente, em 1870 a Velha Escola e a Nova Escola voltaram a se unir no norte, após 33 anos de separação. Essa denominação majoritária ficou conhecida como a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (PCUSA). Em 1875, essa igreja liderou a criação da Aliança Presbiteriana Mundial. A Igreja do Norte investiu maciçamente em missões nacionais, especialmente no oeste americano, que experimentava extraordinário desenvolvimento, e também na obra missionária no exterior. Em 1900, a igreja atingiu a marca de um milhão de membros.
A Igreja do Sul permaneceu solidamente na posição Velha Escola, por meio de teólogos influentes como Robert L. Dabney, James H. Thornwell e Benjamin M. Palmer. Defendia a “doutrina da igreja espiritual”, evitando o envolvimento com questões políticas e sociais e concentrando-se na evangelização. Insistia na igualdade entre presbíteros docentes e regentes no governo dos concílios e entendia que as atividades da igreja deviam ser realizadas por comissões responsáveis perante a Assembleia Geral, e não por juntas semi-independentes. No mesmo ano da sua organização, a PCUS criou o Comitê Executivo de Missões Estrangeiras, sediado em Nashville, que começou a atuar no Brasil em 1869.
4. O presbiterianismo norte-americano (III)
Durante o século 20, o presbiterianismo dos Estados Unidos foi marcado por grandes controvérsias teológicas, que resultaram em muitos realinhamentos institucionais. No início do século, em 1903, a Igreja do Norte (PCUSA) revisou o texto da Confissão de Fé de Westminster, visando atenuar certas ênfases do calvinismo histórico. Foram acrescentados dois novos capítulos, um sobre o Espírito Santo e o outro sobre o amor de Deus e as missões. Isso facilitou a fusão com a Igreja Presbiteriana de Cumberland, em 1906. Essa igreja cria no livre arbítrio e rejeitava o conceito de depravação total. Todavia, muitos de seus membros não aceitaram a fusão e permaneceram como uma denominação separada.
Um conflito mais dramático abalou a igreja majoritária nas décadas de 1920 e 1930 – a luta entre modernistas e fundamentalistas. Um grupo intermediário, os moderados, acabou se colocando ao lado dos liberais, que sucessivamente assumiram o controle do Seminário de Princeton, da Junta de Missões Estrangeiras e da Assembleia Geral. O principal líder dos conservadores foi J. Gresham Machen (1881-1937), que deixou a igreja em 1936 para ser um dos fundadores do Seminário Westminster, em Filadélfia, e da Igreja Presbiteriana Ortodoxa. Um grupo extremado, liderado por Carl McIntire, fundou a Igreja Presbiteriana da Bíblia.
Em 1930, a PCUSA tornou-se a primeira grande denominação americana a ordenar mulheres ao presbiterato; em 1956, passou também a ordenar pastoras. Dois anos depois, em 1958, a Igreja do Norte uniu-se à pequena Igreja Presbiteriana Unida da América do Norte, adotando o nome de Igreja Presbiteriana Unida, EUA. A nova denominação procurou redefinir-se teologicamente na Confissão de 1967, que representou uma ruptura final com a Confissão de Fé de Westminster. Aquela breve declaração acentuava o amor de Deus, a reconciliação e a fé em Jesus Cristo essencialmente em termos neo-ortodoxos. Algumas antigas confissões cristãs foram mantidas no Livro de Confissões, mais ou menos como documentos históricos.[1]
A velha Igreja do Sul, criada em 1861, permaneceu conservadora até a década de 1960. Após intensos debates, fundiu-se com a Igreja Presbiteriana Unida em 1983, dando origem à atual Igreja Presbiteriana (E.U.A.). Essa fusão foi facilitada pelo afastamento dos conservadores da Igreja do Sul, em 1973, para formar a Igreja Presbiteriana da América (PCA). Alguns anos depois, em 1981, foi criada a Igreja Presbiteriana Evangélica (EPC), composta de congregações que deixaram a antiga Igreja do Norte pouco antes da fusão com a Igreja do Sul.
Ao longo do século 20, a agenda da PC (USA) foi dominada pelo ecumenismo e por uma grande variedade de temas políticos e sociais, tais como direitos humanos, feminismo, aborto e homossexualismo. Nas últimas décadas, essa igreja passou a experimentar forte declínio numérico, que tem persistido até o presente. As denominações conservadoras, tais como a PCA e a EPC, têm tido um considerável crescimento, em parte como resultado de sua ênfase evangelística e em parte por absorverem membros saídos dos grupos progressistas. Quanto ao número total de membros, as maiores denominações presbiterianas dos Estados Unidos eram as seguintes no ano 2000: PC(USA) – 3.645.000; PCA – 278.000; I. P. de Cumberland – 88.000; EPC – 57.500. As maiores denominações reformadas eram a Igreja Reformada da América (312.000 fiéis) e a Igreja Cristã Reformada da América do Norte (280.000), ambas de origem holandesa.
5. Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul
A tradição reformada chegou ao Canadá no século 18, principalmente por meio de imigrantes escoceses e irlandeses. O primeiro presbitério foi criado em 1795 e o primeiro sínodo em 1817. Os presbiterianos representavam todas as divisões que existiam na Escócia, mas em 1875 quatro grupos se uniram para formar a Igreja Presbiteriana do Canadá. Em 1925, essa denominação uniu-se aos congregacionais e aos metodistas, surgindo a Igreja Unida do Canadá. A minoria presbiteriana continuou a existir com o antigo nome, tendo igrejas nas regiões mais populosas do país. Em 1990 a Igreja Unida contava com 3.093.000 membros e os presbiterianos com 237.000. Outro grupo significativo era a Igreja Cristã Reformada da América do Norte, de origem holandesa, com 82.000 membros.
Na Austrália, cuja colonização começou no final do século 18, o grande influxo de imigrantes escoceses e o apoio das igrejas presbiterianas da Escócia contribuíram para o surgimento de uma forte igreja. Como ocorreu no Canadá, inicialmente surgiram grupos separados nas diferentes colônias. Houve duas etapas de unificação: a formação da Federação de Igrejas Australianas (1885) e a criação da Igreja Presbiteriana da Austrália (1901), um ano após a união das seis colônias em uma federação nacional. No censo de 1961, 9.3% dos habitantes declararam-se presbiterianos (976.000). Em 1977, metodistas presbiterianos e congregacionais se uniram na Igreja Unida da Austrália, porém a Igreja Presbiteriana continuou a existir separadamente. Em 1990, essas igrejas tinham respectivamente 1.386.000 e 70.000 membros.
Na vizinha Nova Zelândia (Aotearoa), a Igreja Presbiteriana foi formada principalmente pela imigração escocesa, que teve início em 1839. A Igreja Livre da Escócia esteve presente desde o início da colonização e o seu crescimento deveu muito aos esforços de Thomas Burns, que iniciou o seu trabalho missionário em 1848. O presbiterianismo das Ilhas Meridional e Setentrional da Nova Zelândia se uniu em 1901. Em 1945 foi criado um sínodo especial para os nativos maoris. Em 1990 havia 541.000 presbiterianos no país.
A história do movimento reformado na África do Sul é complexa e controvertida. A colonização holandesa teve início em 1652 e o primeiro obreiro regular chegou em 1665. Alguns anos depois, houve a chegada de muitos refugiados franceses (huguenotes). A Igreja Reformada Holandesa original (NGK) dividiu-se no final da década de 1850, surgindo outra Igreja Reformada Holandesa (NHK) e as Igrejas Reformadas da África do Sul (GKSA). Essas denominações criaram igrejas racialmente separadas para os seus convertidos não-brancos (apartheid). Em 1994, outros dois grupos se associaram para formar a Igreja Reformada Unida da África do Sul (URCSA). No século 20, surgiram denominações distintas para africanos (Igreja Reformada Holandesa da África) e indianos (Igreja Reformada da África). Em 1990, os diferentes grupos reformados totalizavam 2.790.000 membros.
A ocupação britânica a partir de 1806 abriu as portas para os colonos escoceses e em 1829 foi fundada a primeira igreja presbiteriana. Atualmente existe um grupo majoritariamente branco – a Igreja Presbiteriana da África do Sul (90.000 membros) e três grupos compostos de negros – a Igreja Presbiteriana da África (927.000), a Igreja Presbiteriana Reformada da África do Sul (52.000) e a Igreja Presbiteriana Evangélica da África do Sul (30.000), as duas últimas constituídas respectivamente das etnias bantu e tsonga.
6. A tradição reformada no terceiro mundo
A fé reformada implantou-se inicialmente no hemisfério norte (Europa e América do Norte). Posteriormente, foi levada para várias regiões de colonização anglo-saxônica em outros continentes. Por fim, deitou raízes entre as populações locais de muitos países do chamado “terceiro mundo” – Ásia, África e América Latina. A seguir, são apresentados alguns casos significativos, com dados estatísticos referentes em especial às igrejas presbiterianas.
7. Ásia
O esforço missionário levou a fé reformada para várias regiões desse continente ainda no século 19. Tal foi o caso da China, onde os missionários presbiterianos chegaram em 1844. Hoje, apesar de mais de meio século de regime comunista, as igrejas continuam crescendo, embora o número de adeptos não seja conhecido. Na ilha de Taiwan ou Formosa (China Nacionalista) existe uma forte igreja presbiteriana com 222 mil membros. Na Índia, existem muitos presbiterianos em duas organizações: a Igreja do Sul da Índia e a Igreja do Norte da Índia. A igreja presbiteriana, com 800 mil membros, é a maior denominação do nordeste do país. Na Indonésia, existem muitos grupos reformados, sendo a principal causa das divisões o regionalismo (são 13 mil ilhas). Caso mais intrigante é o da Coreia do Sul, onde o presbiterianismo chegou em 1884. Devido a uma série de controvérsias, hoje existem mais de cem denominações presbiterianas! As seis maiores totalizam acima de 4 milhões de membros. Outros dois casos surpreendentes são o Paquistão, um país fortemente islâmico, cuja igreja presbiteriana tem 400 mil membros, e o arquipélago de Vanuatu, no Pacífico Sul, com uma população de 177 mil habitantes, dos quais 57 mil estão filiados à igreja presbiteriana.
8. África
Nesse continente, as maiores igrejas presbiterianas estão em cinco países. No Quênia, a Igreja Presbiteriana do Leste da África tem 3 milhões de membros; no Congo, as várias denominações presbiterianas totalizam cerca de 1,4 milhão de pessoas; em Camarões, os três grupos principais somam 1 milhão de membros; em Malawi, a Igreja Presbiteriana da África Central tem 770 mil fiéis; e em Gana duas igrejas presbiterianas possuem em conjunto 600 mil membros. No que diz respeito a igrejas reformadas, as maiores são as da Nigéria (mais de 3 milhões em vários grupos) e de Zâmbia, com meio milhão. Outros casos marcantes são o Sudão, no qual a comunidade presbiteriana vem crescendo em meio a intensos sofrimentos causados pelas guerras e a repressão religiosa (são 450 mil fiéis); o Togo, cuja Igreja Presbiteriana Evangélica tem 300 mil membros; e Ruanda, palco de um pavoroso genocídio em 1994, que tem 120 mil presbiterianos.
Nos países de língua portuguesa, Moçambique conta com 100 mil presbiterianos, em contraste com a pequenina Igreja Presbiteriana de Angola. O trabalho missionário em Moçambique teve início em 1881 por meio de obreiros da Igreja Livre do Cantão da Vaud, na Suíça.[2] As igrejas reformadas da África se destacam pelo seu grande crescimento e sua forte identidade africana.
9. América Latina
Apenas dois países ibero-americanos possuem comunidades presbiterianas de maior expressão: México e Brasil. A Igreja Presbiteriana Nacional do México, cujos primórdios remontam a 1872, possui 1,2 milhão de membros, sendo a segunda maior denominação evangélica do país. No Brasil, todos os grupos presbiterianos e reformados somam entre 700 mil e 1 milhão de pessoas. Existem pequenas denominações presbiterianas em muitos outros países: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Guatemala, Guiana (Inglesa), Paraguai, Peru e Venezuela.
Organismos reformados internacionais
Como se observou neste histórico, o movimento reformado é um fenômeno vasto e diversificado. Igrejas que se identificam como herdeiras da Reforma Suíça ou Calvinista estão presentes em todos os continentes e somam algumas dezenas de milhões de membros ao redor do mundo. Muitas dessas denominações adotam o nome de reformadas, outras qualificam-se como presbiterianas ou congregacionais, e ainda outras tem nomes que não sugerem uma conexão clara com a fé reformada. Por alguma razão, muitos indivíduos e igrejas querem ser reconhecidos como reformados, mesmo que tenham se afastado significativamente de aspectos fundamentais dessa tradição. Da maneira como esse termo é usado na atualidade, tem-se a impressão de que “reformado” é quase que sinônimo de “protestante”, tamanha a variedade de posições teológicas e institucionais que o termo abrange.[3]
A partir do final do século 19, as igrejas reformadas começaram a se associar em organismos, visando promover maior aproximação e cooperação em diferentes áreas. A primeira dessas entidades foi fundada em 1875, em Londres, com o quilométrico título de “Alianças das igrejas reformadas em todo o mundo que adotam o sistema presbiteriano”. Em 1970, essa Aliança fundiu-se com o Concílio Congregacional Internacional, dando origem à Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (World Alliance of Reformed Churches – WARC). Suas principais atividades concentravam-se nas áreas de ação social, consultas teológicas e diálogo ecumênico. Teologicamente, possuía uma linha aberta e inclusivista. Publicava o periódico The Reformed World (“O Mundo Reformado”).
Em 1946, foi criado em Grand Rapids, nos Estados Unidos, o Sínodo Ecumênico Reformado, mais tarde denominado Concílio Ecumênico Reformado (Reformed Ecumenical Council, REC), que dava grande ênfase à “integridade confessional” e era composto de igrejas não filiadas à Aliança Mundial. Chegou a incluir 39 denominações reformadas e presbiterianas de 25 países, totalizando 12 milhões de pessoas. Em 2010, visto que 2/3 dos membros do REC também estavam filiados ao WARC, as duas organizações se uniram com o nome de Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas.
Em 1982, por iniciativa da Igreja Reformada da Holanda (Libertada) foi fundada a Conferência Internacional de Igrejas Reformadas, composta de igrejas mais conservadoras. Mais recentemente, em 1994, a Igreja Presbiteriana da América (PCA), a Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Nacional Presbiteriana do México criaram a Fraternidade Mundial de Igrejas Reformadas (World Fellowship of Reformed Churches). No mesmo ano, foi fundada a Fraternidade Reformada Internacional, constituída de líderes reformados de diversos países da Ásia. No ano 2000, esses dois organismos se uniram, passando a constituir a Fraternidade Reformada Mundial (World Reformed Fellowship, WRF), que congrega não somente igrejas, mas outras instituições.
A orientação da WRF é evangélica e expressa um forte compromisso com as confissões históricas da tradição reformada. A sucursal regional da Fraternidade Reformada Mundial para a América Latina é a Confraternidade Latino-Americana de Igrejas Reformadas (CLIR), com sede na Costa Rica, que publica o boletim teológico Reforma Siglo 21. Essas diferentes organizações expressam uma tensão que sempre estará presente no movimento reformado: de um lado, a busca de comunhão e fraternidade cristã entre as igrejas; de outro lado, o imperativo da fidelidade e integridade bíblica e teológica.
Avaliação final – conquistas e desafios
O movimento reformado, fruto da Reforma Suíça, ou seja, da obra de Ulrico Zuínglio, João Calvino, seus colegas e sucessores, tem existido por 500 anos. Essa longa história possui muitos elementos positivos e construtivos, mas também aspectos preocupantes, que devem ser objeto das atenções e orações daqueles que valorizam e amam essa tradição histórica do protestantismo.
A maior contribuição do movimento reformado à igreja cristã e ao mundo está nas suas concepções doutrinárias. Sua teologia profundamente bíblica, exposta nas obras dos líderes iniciais e nos grandes documentos confessionais da fé reformada, reflete cuidadosamente sobre as Escrituras, ressaltando os seus grandes temas, a começar do próprio Deus trino em sua soberania, majestade e glória, que se manifestam nas obras de criação, providência e redenção. Outros tópicos valiosos dessa teologia são a eleição, a responsabilidade humana, a graça comum, o conceito do pacto e o governo representativo.
O calvinismo também tem dado contribuições inestimáveis nas áreas da responsabilidade social, da educação, da participação política, dos valores éticos, da proclamação profética. As igrejas reformadas de muitos países influenciaram de modo salutar não só as suas próprias sociedades, mas outras regiões do mundo, principalmente por meio de suas missões, que levaram a outros povos serviços educacionais e sociais, e principalmente o evangelho de Cristo, com sua maneira radicalmente nova de encarar a existência humana sobre a terra.
A fé reformada esteve na vanguarda de muitos movimentos extremamente valiosos como o desenvolvimento da democracia ocidental, a valorização do trabalho, o estímulo à ciência, a luta pela justiça. Algumas das mais importantes universidades da Europa e dos Estados Unidos foram fundadas por calvinistas, como as de Genebra, Edimburgo, Harvard, Yale e Princeton. Líderes reformados destacaram-se por sua integridade e contribuições às suas sociedades, como foi o caso de Abraham Kuyper, na Holanda.
Todavia, nos dias atuais o movimento reformado enfrenta reveses em muitos aspectos. O principal deles é o abandono das convicções e valores históricos desse movimento por parte de muitas igrejas que os abraçavam. Essas convicções e valores têm sido substituídos por posições liberais ou progressistas, de um lado, ou arminianas, carismáticas e pragmatistas, do outro. A consequência tem sido a progressiva erosão da identidade dessas igrejas, a sua falta de uma âncora segura nas Escrituras, na teologia e na história. Por essa razão, muitas denominações antigas, que em outros tempos foram tão vigorosas e fecundas, estão experimentando acentuado declínio numérico e perda de rumos. Outras se rendem ao fascínio das experimentações, dos resultados rápidos, do crescimento a qualquer custo.
Sendo a história um processo dinâmico e sendo Deus soberano sobre os acontecimentos, continuemos sonhando e trabalhando pela revitalização da fé reformada não só em termos globais, mas principalmente em nossas próprias igrejas, para que os melhores frutos dessa cosmovisão continuem sendo valorizados, difundidos e aplicados às necessidades e realidades do mundo atual. Assim, a tradição reformada, que completa meio milênio de existência, continuará contribuindo para a promoção do Reino, para o bem dos seres humanos e para a glória de Deus.
Bibliografia
Christian History, Vol. 3, Nº 1 (1984).
GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. Ed. rev. e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
KEE, Howard Clark et al. Christianity: a social and cultural history. New York: Macmillan, 1991.
LEITH, John H. An introduction to the Reformed tradition. Atlanta, GA: John Knox, 1981.
MATOS, Alderi S. “The Guanabara Confession of Faith”. Unio cum Christo, Vol. 1, Nº 1-2 (Fall 2015): 133-143.
LÉONARD, Émile G.. Historia general del protestantismo. 4 vols. Madri: Ediciones Península, 1967 (original: Histoire Générale du Protestantisme, Paris, Presses Universitaires de France, 1961).
MATOS, Alderi S. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
MCNEILL, John T. The history and character of Calvinism. London: Oxford University Press, 1967.
REILY, Duncan A. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: Aste, 1993.
WALKER, Williston et al. A history of the Christian church. 4ª ed. New York: Charles Scribner’s Sons, 1985.
WALTON, Robert C. “Zwingli, Ulrich”. In: DOUGLAS, J. D. (Org.). The New International Dictionary of the Christian Church. 2ª ed. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1978.
[1] Ver: A Constituição da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos da América – Parte I: O livro de confissões. São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969. Inclui o Credo Niceno, o Credo dos Apóstolos, a Confissão Escocesa, o Catecismo de Heidelberg, a Segunda Confissão Helvética, a Confissão de Fé de Westminster, o Breve Catecismo de Westminster, a Declaração Teológica de Barmen e a Confissão de 1967.
[2] Sobre Moçambique, ver: BUTSELAAR, Jan Van. Africanos, missionários e colonialistas: as origens da Igreja Presbiteriana de Moçambique (Missão Suíça), 1880-1896. Lausanne: Département Missionaire des Eglises Protestantes de la Suisse Romande, 1987.
[3] Sobre o assunto, ver: LOPES, Augustus Nicodemus. “Educação teológica reformada”. Fides Reformata IX-2 (2004): 11-27, p. 12-13.