O Artigo XII do “Tratado de Comércio e Navegação” firmado entre Portugal e a Inglaterra em 19.02.1810 concedeu liberdade de culto aos ingleses e tolerância religiosa a outros grupos residentes no Brasil. Pela primeira vez na história, o culto protestante passou a ter proteção legal no país. Ver abaixo documentos conexos (Constituição de 1824 e Código Criminal).
Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal, declara, e se obriga no seu próprio nome, e no de seus herdeiros e sucessores, que os vassalos de Sua Majestade Britânica, residentes nos seus territórios e domínios, não serão perturbados, inquietados, perseguidos ou molestados por causa da sua religião, mas antes terão perfeita liberdade de consciência e licença para assistirem e celebrarem o serviço Divino em honra do Todo-Poderoso Deus, quer seja dentro de suas casas particulares, quer nas suas igrejas e capelas, que Sua Alteza Real agora e para sempre graciosamente lhes concede a permissão de edificarem e manterem dentro dos seus domínios. Contanto, porém, que as sobreditas igrejas e capelas sejam construídas de tal modo que externamente se assemelhem a casas de habitação; e também que o uso dos sinos não lhes seja permitido para o fim de anunciarem publicamente as horas do serviço divino. Ademais, estipulou-se que nem os vassalos da Grã-Bretanha, nem quaisquer outros estrangeiros de comunhão diferente da religião dominante nos domínios de Portugal serão perseguidos ou inquietados por matérias de consciência, tanto no que concerne a suas pessoas como suas propriedades, enquanto se conduzirem com ordem, decência e moralidade e de modo adequado aos usos do país, e ao seu estabelecimento religioso e político. Porém, se se provar que eles pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram fazer prosélitos, ou conversões, as pessoas que assim delinquirem poderão, manifestando-se o seu delito, ser mandadas sair do país em que a ofensa tiver sido cometida. E aqueles que em público se portarem sem respeito, ou com impropriedade para com os ritos e cerimônias da religião católica dominante serão chamados perante a polícia civil e poderão ser castigados com multas, ou com prisão em suas próprias casas, e se a ofensa for tão grave e tão enorme que perturbe a tranquilidade pública e ponha em perigo a segurança das instituições da Igreja e do Estado estabelecidas pelas leis, as pessoas que tal ofensa fizerem, havendo a devida prova do fato, poderão ser mandadas sair dos domínios de Portugal. Permitir-se-á também enterrar em lugares para isso designados os vassalos de Sua Majestade Britânica que morrerem nos territórios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal; nem se perturbarão de modo algum, nem por qualquer motivo, os funerais, ou as sepulturas, dos mortos. Do mesmo modo, os vassalos de Portugal gozarão nos domínios de Sua Majestade Britânica de uma perfeita e ilimitada liberdade de consciência em todas as matérias de religião, conforme o sistema de tolerância que se acha neles estabelecido. Eles poderão livremente praticar os exercícios da sua religião pública, ou particularmente nas suas casas de habitação, ou nas capelas e lugares de culto designados para este objeto, sem que se lhes ponha o menor obstáculo, embaraço ou dificuldade alguma, tanto agora como no futuro.
Constituição Imperial de 1824 – Artigo 5º
Art. 5º – A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
Código Criminal do Império do Brasil
“Ofensa à moral, à religião e bons costumes”
276. Celebrar em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião que não seja a do Estado.
Penas. No grau máximo – serem dispersos pelo juiz de paz os que estiverem reunidos para o culto, demolição da forma exterior, e multa de 12$, que pagará cada um.
277. Abusar ou zombar de qualquer culto estabelecido no Império, por meio de papéis impressos, litografados ou gravados, que se distribuírem por mais de quinze pessoas, ou por meio de discursos proferidos em públicas reuniões ou em ocasião e lugar em que o culto se prestar.
278. Propagar por meio de papéis impressos… que se distribuírem por mais de quinze pessoas, ou por discursos em públicas reuniões, doutrinas que diretamente destruam as verdades fundamentais da existência de Deus e da imortalidade da alma.
Comunicado de José Bonifácio de Andrada e Silva sobre a inauguração da capela anglicana do Rio de Janeiro (primeiro edifício para o culto protestante erguido em tempos modernos no Brasil.)
Nº 50 – Estrangeiros – em 23 de maio de 1822
Declara ao intendente-geral da polícia que os ingleses pretendem abrir a sua capela, no domingo 26 deste mês
Tendo Alexandre Cunningham, deputado cônsul-geral de Sua Majestade Britânica, participado que no domingo 26 do corrente pretendiam os ingleses aqui estabelecidos abrir a sua capela na conformidade do artigo XII do Tratado de 1810 que lhes faculta o dar princípio ao seu culto religioso, e sendo esta a primeira vez que se abre nesta cidade uma Igreja Protestante, podendo por isso acontecer que haja tal afluência popular, que mereça a atenção da polícia, que deve prevenir as perturbações que resultam dos ajuntamentos: manda o Príncipe Regente pela Secretaria do Estado dos Negócios do Reino e dos Negócios Estrangeiros que o intendente- geral da polícia tome as medidas necessárias para se conservar a boa ordem e sossego público nesse dia, mandando para a rua dos Barbonos [atual Evaristo da Veiga], onde está situada a dita capela, patrulhas rondantes da guarda da polícia encarregadas de manter a tranquilidade.
(Assinado) José Bonifácio de Andrada e Silva. Paço em 23 de maio de 1822.