A Igreja Presbiteriana do Brasil é, antes de mais nada, uma denominação cristã, uma confissão profundamente identificada com a grande corrente do cristianismo histórico iniciada por Jesus Cristo e seus apóstolos. Portanto, em primeiro lugar é preciso conhecer essa história mais ampla, dentro da qual se insere a história da IPB desde seus antecedentes no século 16.
Como o título indica, este é um texto panorâmico e sintético sobre a história do cristianismo. Como tal, ele não visa estudar essa história em profundidade, e sim abordar os contornos mais amplos desse vasto assunto, para que, posteriormente, os leitores possam pesquisar com maiores detalhes quaisquer tópicos específicos do seu interesse. O propósito do texto é familiarizar os leitores com os principais personagens, eventos e movimentos da longa e rica história do movimento cristão, no desejo de que esse estudo possa ser ao mesmo tempo uma fonte de informação, desafio e inspiração para a vida cristã.
Além desta introdução, o material inclui outras cinco partes, sendo três sobre o Período Antigo e duas sobre o Período Medieval. A presente seção introdutória consta dos seguintes pontos: (1) O que é história; (2) Definições básicas; (3) Importância da história da igreja; (4) Períodos em que se subdivide a história da igreja; (5) Por que estudar a história da igreja? (6) Bibliografia básica.
1. O QUE É HISTÓRIA
O termo “história” vem do grego historía, que significa pesquisa, informação ou narração e já nos tempos antigos era usado para indicar a resenha ou narração dos fatos humanos. Hoje, o termo tem dois aspectos básicos: (1) os próprios fatos, isoladamente ou em conjunto (em alemão, Geschichte) e (2) o conhecimento dos fatos, ou a ciência que disciplina esse conhecimento (Historie). Para este segundo aspecto, usa-se com frequência o termo “historiografia”.
Outra maneira de encarar o assunto é considerar quatro sentidos em que se pode entender a história (observe que todos começam com a letra “i”):
Incidente ou evento: é todo e qualquer acontecimento. Por sua própria natureza, todo incidente é absoluto e ocorre somente uma vez. É impossível que se repita exatamente em todos os seus pormenores.
Informação: são os elementos que nos fornecem dados sobre o incidente, tais como documentos, objetos ou depoimentos orais.
Investigação ou pesquisa: é a busca de respostas para as perguntas “o quê”, “quem”, “quando” e “onde” (os dados).
Interpretação: é a busca dos porquês, do significado dos dados. A atividade de interpretação é inevitável, porque os incidentes já não são diretamente acessíveis, mas somente por meio de indícios, de informações indiretas. Toda interpretação é relativa, porque todo intérprete é limitado por um maior ou menor número de condicionamentos. É impossível uma plena objetividade e imparcialidade. No entanto, as contínuas pesquisas vão fazendo surgir certos consensos entre os estudiosos sobre um grande número de fatos e interpretações.
2. DEFINIÇÕES
História: Earle E. Cairns conceitua história como o registro interpretado do passado humano socialmente relevante, com base em dados organizados que são obtidos por meio do método científico a partir de fontes arqueológicas, literárias ou vivas.
História da igreja: o mesmo historiador define a história da igreja como “o relato interpretado da origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a sociedade humana, baseado em dados organizados e reunidos pelo método científico a partir de fontes arqueológicas, documentais ou vivas” (O cristianismo através dos séculos, 2008, p. 16).
Observação:As fontes mais comuns da história da igreja são documentais, que podem ser de dois tipos: primárias e secundárias. Fontes primárias são documentos produzidos pelos próprios personagens e movimentos da história. Por exemplo: a Epístola de Paulo aos Romanos, a Didaquê, o Credo Niceno, as Noventa e Cinco Teses de Lutero. Fontes secundárias são análises posteriores dos estudiosos, como os livros de história da igreja mencionados na bibliografia que está no final desta introdução. As fontes primárias não precisam ser antigas; às vezes são bastante recentes, como a declaração conjunta de católicos e luteranos sobre a justificação pela fé, publicada em 1999.
3. IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA IGREJA
Uma questão que se pode levantar é: Por que, afinal, estudar a história da igreja? É isso realmente necessário e prioritário para o cristão? Quais os benefícios que se poderiam auferir desse estudo? Sobre isso o leitor deve consultar o texto encontrado mais adiante, intitulado “Por que estudar a história da igreja?”.
Uma das razões mais importantes para o estudo da história é o caráter histórico da revelação bíblica e da obra redentora de Deus. Boa parte da Bíblia contém relatos históricos, como o Pentateuco e os chamados livros históricos, desde Josué até Ester. Um dos maiores livros do Novo Testamento, Atos dos Apóstolos, é inteiramente dedicado ao registro de eventos da igreja primitiva. Além disso, a Escritura nos fala de um Deus que, além de ser transcendente, é também imanente, ou seja, comunica-se e relaciona-se com os seres humanos, entrando na história humana e atuando na mesma. Toda a Escritura dá testemunho dessa verdade. O evento máximo dessa manifestação de Deus na história foi a encarnação do Verbo eterno, o Filho de Deus (ver João 1.1, 14; Gálatas 4.4; 1 João 4.9, 10, 14).
Assim, a história da igreja implica em uma determinada filosofia da história. Para os cristãos convictos, a história tem um sentido dado por Deus. Essa história é linear, tendo um princípio e um fim, sob a direção providente e soberana do Senhor da história. O primeiro autor a articular uma filosofia cristã da história foi Agostinho (354-430), em sua magnífica obra A Cidade de Deus (De Civitate Dei). No ano 410, os visigodos saquearam Roma. Os pagãos alegaram que essa tragédia ocorreu porque os romanos haviam abandonado a antiga religião dos deuses e abraçado o cristianismo. A pedido de um amigo, Agostinho dispôs-se a rebater essa acusação e isso resultou na referida obra.
Para ele, a história consiste na interação de duas sociedades antagônicas, a cidade de Deus e a cidade terrena. A primeira consiste de todos os seres humanos e celestiais que estão unidos no seu amor a Deus e buscam somente a sua glória. A cidade terrena é composta dos seres que amam somente a si mesmos e buscam somente a sua própria glória. O curso da história humana dirige-se para a cruz e a partir da cruz. A graça que dela flui opera dentro da igreja cristã, o corpo visível de Cristo. Fortalecidos pela graça divina, os cristãos colocam-se ao lado de Deus no conflito contra o mal, até que a história alcance a sua consumação no retorno de Cristo.
Além desse aspecto bíblico e teológico, a história da igreja tem um valor prático como fonte de informações sobre uma infinidade de assuntos. Todas as mudanças que têm ocorrido na igreja ao longo do tempo nas áreas administrativa, doutrinária, litúrgica e devocional são estudadas na história da igreja, bem como um grande número de instituições, movimentos e subdivisões do cristianismo. A história da igreja nos fala sobre métodos missionários, estilos de pregação, hermenêutica e interpretação bíblica, atitudes para com dinheiro e os bens materiais, prática da beneficência, relações da igreja com o estado e com a sociedade. Ela nos ajuda a entender como surgiram os grupos cristãos atuais, com suas características distintivas.
Finalmente, há também um elemento bastante pessoal. A história da igreja é a nossa história, tem a ver com a nossa identidade (quem somos e de onde viemos), quer no sentido espiritual, quer no sentido cultural, pois o cristianismo foi um poderoso elemento formativo do Ocidente como um todo e da América Latina em particular. Além disso, o estudo da história ajuda-nos a compreender a nossa herança cristã, dá-nos um senso de continuidade com o passado e proporciona edificação e inspiração. Finalmente, é fonte de solenes advertências quanto aos erros de igrejas e cristãos individuais, incentivando-nos à humildade e tolerância.
4. PERÍODOS DA HISTÓRIA DA IGREJA
Para facilidade de estudo, a história da igreja é dividida em períodos, os quais, por sua vez, estão subdivididos em unidades menores. Essa divisão é relativa, variando de acordo com os critérios de diferentes estudiosos, mas facilita a compreensão de um tema que é tão vasto e complexo. A classificação abaixo é aquela que seguimos neste material:
A Igreja Antiga (30-590 DC = depois de Cristo)
- A igreja apostólica (30-100)
- A igreja “católica” (100-313)
- A igreja imperial (313-590)
A Igreja Medieval (590-1517)
- A igreja no início da Idade Média (590-1073)
- A igreja no apogeu da Idade Média (1073-1294)
- A igreja na época do Renascimento (1294-1517)
A Reforma Protestante (1517-1648)
- A Reforma na Alemanha e na Suíça
- A Reforma na Inglaterra, Escócia, França e Holanda
- A Contrarreforma e a Reforma Católica
A Igreja Moderna e Contemporânea (1648-hoje)
- Racionalismo e reavivamentos (1648-1789)
- O grande século das missões (1789-1914)
- O século 20 e início do século 21
5. POR QUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA IGREJA?
O currículo de uma escola de teologia, seminário ou instituto bíblico contém uma grande diversidade de matérias pertinentes à preparação para o ministério pastoral ou para o ministério dos “leigos” na igreja e na comunidade. As principais áreas de estudo são as seguintes:
Estudos bíblicos, com matérias sobre as línguas originais (hebraico e grego), introduções ou panoramas do Antigo e do Novo Testamento, interpretação bíblica (exegese e hermenêutica) etc.
Estudos teológicos: teologia bíblica e sistemática (doutrinas de Deus, do ser humano, da redenção, de Jesus Cristo, da igreja, do Espírito Santo e das últimas coisas), teologias contemporâneas, ética cristã, apologética (seitas e religiões, heresias) etc.
Estudos práticos ou pastorais: homilética (pregação), evangelismo e missões, educação cristã, aconselhamento pastoral, ação social da igreja etc. Outra área importante do currículo teológico são os:
Estudos históricos, que incluem o que geralmente designamos história da igreja ou do cristianismo. A história de Israel ou do Antigo Testamento via-de-regra é tratada nos estudos bíblicos.
O que é a história da igreja? A história da igreja como um tema de estudos é a análise da origem e desenvolvimento do movimento cristão desde os seus primórdios em Jesus Cristo e na igreja primitiva até os nossos dias, vinte séculos mais tarde. Nos estudos históricos pode-se considerar a história da igreja de uma maneira ampla e genérica (um resumo dos dois mil anos), ou então abordar áreas específicas. Por exemplo:
Períodos – igreja antiga, medieval, moderna e contemporânea.
Aspectos – história das doutrinas ou do pensamento cristão, história das missões, das heresias, personagens específicos (Irineu, Agostinho, Lutero, João Wesley).
Movimentos – por exemplo, controvérsias cristológicas, Reforma Protestante, pietismo, pentecostalismo, movimento ecumênico.
Áreas geográficas – Europa, América do Norte, terceiro mundo.
Grupos – igreja ortodoxa grega, presbiterianismo, anabatistas etc.
A pergunta mais importante é: Por que se deve estudar a história da igreja? Qual é o seu interesse para nós como cristãos? Um problema que algumas pessoas parecem ter com o estudo da história da igreja é a impressão de que se trata de algo pouco “espiritual”. Estudar sobre a Bíblia, doutrinas, evangelização ou educação cristã é importante porque tem uma conexão direta com a vida cristã e o trabalho da igreja. Mas o que a história da igreja tem a ver com a nossa espiritualidade, a nossa fé, a nossa participação no corpo de Cristo e o nosso testemunho na sociedade?
A resposta é que tem muito a ver. A fé cristã e a revelação bíblica são profundamente históricas. Uma das diferenças mais fundamentais entre o judaísmo e o cristianismo e as demais religiões mundiais, como o islã, o budismo e o hinduísmo é o caráter essencialmente histórico da fé bíblica. O Deus das Escrituras é um Deus que se manifesta e atua na história humana, em contextos específicos, em momentos e lugares definidos.
Deus poderia manter-se distante das suas criaturas, ou então relacionar-se com elas somente de maneira indireta. No entanto, o seu amor pelas pessoas, o interesse em ter comunhão com elas e de redimi-las para si mesmo faz com que Deus venha à terra e se revele aos seres humanos no seu mundo, na história.
Portanto, a Bíblia toda é um livro de história, a história da autorrevelação e da ação soberana de Deus na vida do mundo e especialmente na vida do seu povo. O Senhor Deus ama e quer redimir pessoas de todos os povos, mas a preparação dessa redenção fez com que Deus criasse e chamasse um povo específico que viveu em uma época e lugar determinados.
O Antigo Testamento é a história dessa relação especial entre Jeová e Israel, um povo escolhido não somente para ter privilégios, mas, acima de tudo, para executar uma missão: ser testemunha de Deus e proclamar entre as nações a sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas (Salmo 96.3). Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, isto é, o Pentateuco, nos contam como Deus chamou Abraão e os demais patriarcas e lhes deu uma descendência, o povo de Israel. Escravizado no Egito por 400 anos, esse povo foi poderosamente libertado por Deus e levado à terra prometida. Essa experiência de libertação, o Êxodo, é o evento mais decisivo e fundamental de todo o Antigo Testamento e da história de Israel, porque dá aos judeus uma identidade como povo de Deus, redimido e resgatado por ele, comprometido com ele pela aliança, pelo pacto. Nesse pacto, Deus promete ser o seu Protetor e Sustentador, e Israel deve demonstrar sua lealdade pela obediência à lei, aos mandamentos de Deus.
O Êxodo e o pacto são fundamentais para a compreensão de todo o restante do Antigo Testamento. Os chamados livros históricos (Josué a Ester), os livros poéticos e de sabedoria (Jó a Cantares) e os profetas prosseguem com a história dos atos redentores de Deus na vida de Israel, assim como a fidelidade ou infidelidade de Israel e as suas consequências.
Os historiadores seculares, antropólogos e sociólogos dão outra interpretação à história de Israel, vista como um conjunto de fenômenos meramente naturais, resultantes de circunstâncias econômicas, climáticas, políticas e sociológicas. Os autores do Antigo Testamento vêem essa história desde uma perspectiva teológica, a perspectiva da ação pessoal, providencial e soberana de Deus. Uma característica especial do Antigo Testamento são as promessas que ele contém. Entre as promessas de Deus estão as que se referem à vinda do reino de Deus através do seu Ungido, o Guia e Redentor de Israel e de todos os gentios.
O Novo Testamento é a narrativa de como, em um momento específico da história e em um contexto geográfico específico, Deus mesmo veio ao mundo de maneira muito mais pessoal do que antes, na pessoa de Jesus de Nazaré. “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4.4).
Contra os ensinos dos gnósticos, que pregavam um Jesus a-histórico, esotérico, meramente espiritual, os apóstolos insistem na real e plena encarnação de Jesus, sua total identificação com os seres humanos a quem veio salvar: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (João 1.14).
Os evangelhos contêm a história de Jesus à luz das necessidades das comunidades cristãs primitivas. Assim como o Êxodo, no Antigo Testamento, os eventos decisivos para a identidade dos primeiros discípulos são o sofrimento, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Estes são os principais pontos de referência para o novo Israel, a igreja, em sua vida, fé e missão. A igreja primitiva não vê uma ruptura, mas uma continuidade entre a história do Antigo Testamento e o Novo Testamento. O mesmo Deus que criou o mundo e formou Israel, o Deus de Abraão, Moisés e Davi, o Deus do Êxodo e da Aliança, é o Deus que em Cristo busca reconciliação com o mundo e a todos oferece perdão, salvação e nova vida.
A morte, ressurreição e ascensão de Jesus não são o fim da história da redenção. Jesus dá a seus discípulos a Grande Comissão, promete-lhes a sua presença todos os dias até o fim do mundo (Mateus 28.20) e envia o seu Espírito para proteger, capacitar e guiar a igreja na sua vida e missão (Atos dos Apóstolos). As epístolas são também documentos históricos escritos pelos apóstolos em resposta a necessidades específicas das primeiras comunidades cristãs. Finalmente, o Apocalipse apresenta em linguagem simbólica e impressionante uma sequência de eventos que começam nos tempos da igreja primitiva e se projetam até a consumação de todas as coisas e o fim da história humana tal qual a conhecemos.
Ainda que a revelação especial de Deus tenha cessado com o Novo Testamento, a história da igreja pode ser considerada como a continuação da história bíblica, um novo capítulo da atuação soberana e providente de Deus (embora muitas vezes misteriosa) na vida das pessoas e grupos, na vida da comunidade cristã e do mundo. Não saber apreciar a história da igreja é ignorar ou esquecer que Deus continua presente e ativo entre o seu povo. Esta é, assim, a base bíblica e teológica para a importância da história da igreja. A história sempre foi algo fundamental para os judeus e para os cristãos.
Todavia, existem ainda outras razões, de natureza mais prática, para essa importância. Entre o Novo Testamento e nós existe um intervalo de quase dois mil anos e é impossível entender a igreja como a conhecemos hoje sem conhecer o que aconteceu nestes dois milênios. No Novo Testamento não encontramos fórmulas rígidas para a fé, vida e organização da igreja. Jesus e os apóstolos nos deixaram princípios e ensinos sobre o que significa viver como filhos e filhas de Deus no mundo, mas não nos deram sistemas doutrinários completos ou detalhes sobre todos os aspectos da vida e missão da igreja.
Quanto a importantes elementos como os métodos missionários e as formas de governo e liderança da igreja, o Novo Testamento apresenta antes diversidade do que uniformidade. Quanto a outros aspectos como o culto e a liturgia, a preparação para o batismo ou a administração das finanças da igreja, encontramos muito poucas informações no Novo Testamento. O Senhor e os seus discípulos transmitiram princípios gerais, mas deixaram para as comunidades a definição dos detalhes da sua estrutura e práticas eclesiásticas, sob a direção do Espírito Santo.
Por exemplo, o Novo Testamento nada diz sobre templos, batistérios, hinários, órgãos, escola dominical, sociedades de senhoras e jovens, comissões de educação cristã e de recepção aos visitantes. De onde vêm estas e muitas outras práticas posteriores ao período apostólico? A história da igreja responde.
O Novo Testamento não se refere diretamente a uma doutrina fundamental que é crida pela quase totalidade dos cristãos: a trindade. De onde vem a formulação dessa doutrina? A história da igreja responde. Por muitos anos, a igreja simplesmente continuou a pregação e proclamação apostólica sobre Jesus, sua pessoa, ensinos e obra de redenção. Com o passar do tempo, os conflitos com o pensamento pagão e a ameaça das heresias obrigaram a igreja a definir a sua fé de maneira mais precisa. Esse processo produziu as grandes declarações doutrinárias dos séculos 4° e 5° sobre a trindade e a pessoa de Cristo: os credos dos apóstolos, de Nicéia, de Constantinopla e de Calcedônia.
A Bíblia nada fala de protestantes, católicos e ortodoxos, nem de batistas, presbiterianos ou pentecostais. É a história da igreja que nos ensina sobre o surgimento das muitas divisões e rupturas do cristianismo. Além disso, o protestantismo surgiu há somente 500 anos. Durante mais de mil anos existiam apenas as igrejas católica romana e ortodoxa grega. Como era a vida e obra dessas igrejas? Por que a igreja católica tem hoje características tão diferentes e até mesmo, ao nosso ver, contrastantes com as práticas e ensinos do Novo Testamento? Tudo isto também é estudado pela história da igreja.
O livro de Atos descreve como o movimento cristão se difundiu em poucas décadas por muitas áreas do Império Romano. Atualmente a igreja está presente em todas as partes do mundo. A história da expansão do cristianismo ou história das missões nos ajuda a entender esse fenômeno e, também, por que alguns países são majoritariamente católicos, ortodoxos ou protestantes. A história da igreja também aclara os motivos da profunda animosidade de muitos muçulmanos contra os cristãos.
A história da igreja é a nossa história: ensina-nos quem somos nós como cristãos e como chegamos até aqui. Mas existe um outro sentido em que a história da igreja é a nossa história. Sem o cristianismo e a igreja não existiria a civilização ocidental como a conhecemos hoje. A história do ocidente em geral e da América Latina em particular foi profundamente influenciada e condicionada pelo cristianismo e especialmente pelo catolicismo.
Durante toda a Idade Média a igreja afetou de um modo jamais visto todo um continente, a Europa, em sua cultura, idiomas, literatura, artes, arquitetura, leis, instituições, sistemas políticos, relações sociais, valores éticos, mentalidade e cosmovisão. Dois dos países mais radicalmente católicos foram precisamente os vizinhos ibéricos Espanha e Portugal, os descobridores e colonizadores de toda a América Central e do Sul. A colonização da América Latina foi um empreendimento ao mesmo tempo político, comercial e missionário. Nossas nações nasceram à sombra da cruz e da espada.
Sem deter-nos na avaliação da história da igreja em nosso continente, é importante considerar que, sem o conhecimento dessa história não poderemos entender a história dos nossos países, nossas culturas e tradições, nossas características psicológicas e sociais, nossos problemas e conflitos tão difíceis.
Em conclusão, a história da igreja fala das vitórias e dos erros do povo de Deus em sua peregrinação através dos séculos. As vitórias e bênçãos nos dão motivos para louvor e gratidão a Deus. Por outro lado, essa história nos apresenta sérias advertências sobre os pecados individuais e coletivos da igreja e a necessidade constante de arrependimento e conversão. A história da igreja pode ajudar-nos e inspirar-nos a sermos melhores discípulos e servos de Cristo neste mundo, ao mesmo tempo em que recordamos que “a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Filipenses 3.20).
6. BIBLIOGRAFIA
Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes obras em português.
BETTENSON, Henry, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Ótima coletânea de fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja.
CAIRNS, Earle E., O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã, 3ª ed. rev. e ampliada (São Paulo: Vida Nova, 2008). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume disponíveis em português.
CLOUSE, Robert G. e outros, Dois Reinos: a Igreja e a Cultura Interagindo ao Longo dos Séculos (São Paulo: Cultura Cristã, 2003). Livro rico de informações e fácil de ler. Uma das melhores histórias da igreja em um volume.
DOWLEY, Tim (ed.), Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo (São Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade gráfica. Útil também para o estudo da história bíblica (Antigo e Novo Testamento).
FERREIRA, Franklin. A Igreja Cristã na História: Das Origens aos Dias Atuais (São Paulo: Vida Nova, 2013). Essa valiosa obra indica muitas leituras complementares e ainda filmes e documentários.
GONZÁLEZ, Justo L., História Ilustrada do Cristianismo, 2 vols. (São Paulo: Vida Nova. 2011). Abrangente, agradável de ler e, como diz o título, fartamente ilustrada.
IRVIN, Dale T.; SUNQUIST, Scott W. História do Movimento Cristão Mundial, 2 vols. (São Paulo: Paulus, 2004, 2015). Destaca movimentos e regiões geralmente não contemplados por outros livros. Prossegue até 1800.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma História do Cristianismo, 2 vols. (São Paulo: Hagnos, 2007). Obra volumosa e clássica de um reconhecido especialista.
MATOS, Alderi Souza de. A Caminhada Cristã na História: a Bíblia, a Igreja e a Sociedade Ontem e Hoje (Viçosa, MG: Ultimato, 2005). Obra sintética, com capítulos breves, abordando uma grande variedade de temas e períodos da história da igreja. Contém perguntas para reflexão e discussão.
MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da Teologia Histórica (São Paulo: Mundo Cristão, 2008). Panorama de toda a história da teologia, desde o período antigo até o século 20. Apresenta vasta bibliografia para estudo adicional.
NEILL, Stephen, História das Missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das melhores abordagens de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi missionário na Índia e na África.
NICHOLS, Robert Hastings, História da Igreja Cristã, 11ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2000). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem está começando a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano.
NOLL, Mark A. Momentos Decisivos na História do Cristianismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2000). Obra valiosa e abrangente por um conceituado especialista. Além de destacar certos eventos fundamentais, aborda muitos outros temas da história cristã.
SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo ao Alcance de Todos (São Paulo: Shedd, 2004). Outro volume abrangente e facilmente compreensível.
TUCKER, Ruth A., Missões até os Confins da Terra: Uma História Biográfica (São Paulo: Shedd, 2010). Contém biografias de missionários destacados que trabalharam nas mais diferentes regiões do globo. Inclui um capítulo especial sobre o Brasil.
WALKER, Williston, História da Igreja Cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra excelente, mas um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi publicada em português.
WALTON, Robert C. História da Igreja em Quadros (São Paulo: Vida, 2000). As inúmeras tabelas e diagramas facilitam a compreensão de muitos movimentos e temas da história da igreja.
WILLIAMS, Terri, Cronologia da História Eclesiástica em Gráficos e Mapas (São Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns dos temas mais importantes da história da igreja.
Essa é uma pequena amostragem do grande número de obras disponíveis em nosso idioma, para não mencionar outras línguas, como inglês e espanhol, nos quais a variedade é ainda maior. Um recurso valioso em inglês é a revista…
Christian History – periódico trimestral publicado pelo Christian History Institute (Worcester, Pensilvânia). Essa publicação é dirigida primordialmente a não especialistas, contendo artigos escritos por autoridades reconhecidas, bem como ilustrações e gráficos de grande utilidade. Cada número é dedicado a um personagem ou movimento específico. Para maiores informações, visite https://christianhistoryinstitute.org/magazine.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Como se viu acima, o estudo da história da igreja pode ser altamente benéfico para o cristão, dando-lhe em primeiro lugar uma melhor compreensão da atuação de Deus na vida do mundo. A história não é um conjunto de acontecimentos aleatórios, sem rumo, mas revela, por trás de eventos muitas vezes confusos e aparentemente desconexos, o propósito providencial de Deus.
Além disso, o conhecimento da história auxilia os cristãos e as igrejas a terem maior consciência de sua identidade e de sua missão no mundo. Seja como fonte de inspiração ou de advertência, o conhecimento da caminhada da igreja na terra permite que os cristãos definam melhor as suas prioridades e estejam alerta contra erros e tentações já enfrentados no passado.
Alderi Souza de Matos