IPB: História e Identidade
Curadoria dos Museus da IPB

Panorama da História da Igreja – Os Séculos 19 e 20

1. O SÉCULO 19

Em certo sentido, o século 19 começou com a Revolução Francesa (1789-1795), que por sua vez inspirou-se, pelo menos em parte, na Revolução Americana (1776). Essas revoluções popularizaram conceitos políticos que eventualmente seriam adotados por quase todas as nações do hemisfério ocidental, entre os quais a separação entre igreja e estado e a liberdade de consciência e religião.

1.1 A Igreja Católica

A Revolução Francesa foi um rude golpe contra a Igreja Católica Romana. Influenciados pelo racionalismo, os revolucionários pretenderam eliminar o cristianismo na França: templos foram destruídos e muitos sacerdotes foram mortos. Na “era napoleônica” (1795-1815) a igreja tornou-se novamente oficial (1801-1805), mas sujeita ao Estado. Em 1809, Napoleão entrou em Roma e anexou os estados papais.

A igreja reagiu fortemente contra o ideário da revolução. A ordem dos jesuítas, que havia sido suprimida em 1773 pelo papa Clemente XIV, foi restabelecida em 1814. O papado experimentou um acentuado fortalecimento, que chegou ao auge no pontificado de Pio IX (1846-1878), o mais longo da história dos papas. Pio proclamou o dogma da imaculada concepção de Maria (1854) e em 1864 publicou a encíclica Quanta Cura (“Quantos cuidados”). Esse documento veio acompanhado de um apêndice, o Syllabus, contendo longa série de ataques às liberdades modernas (separação entre igreja e estado, educação leiga, democracia, ideais republicanos) e a instituições como a maçonaria e o protestantismo. Pio também convocou o Concílio do Vaticano I (1869-1870), que proclamou o dogma da infalibilidade papal.

Após uma longa luta, a Itália foi unificada em 1861. A cidade de Roma e os antigos estados papais, que a igreja havia controlado desde a época de Pepino, o Breve, no século 8º, foram anexados em 1870. O papa tornou-se o “prisioneiro do Vaticano” e só bem mais tarde a igreja aceitou a nova situação. Na Alemanha, a ala conhecida como Velha Igreja Católica rejeitou os decretos do Concílio Vaticano I. Uma obra desse período é O Papa e o Concílio, traduzida para o português pelo ilustre Rui Barbosa. O pontificado de Leão XIII (1878-1903) foi um período menos conturbado.

1.2 O protestantismo europeu

Na Alemanha, houve um avivamento no início do século 19 em torno de movimentos como o confessionalismo, o pietismo e a “missão interior”. Em 1817, no tricentenário da Reforma, foi criada uma nova igreja nacional unindo luteranos e reformados. Deu-se muita ênfase à reflexão bíblica e teológica. Em 1900, 62% dos alemães eram protestantes e 36% católicos. Na França, as principais igrejas eram a reformada e a luterana. Em 1900, havia cerca de 650 mil protestantes, que eram bastante influentes na vida nacional. A vida religiosa era vigorosa e havia dinamismo nas áreas da evangelização, ação social, missões e educação teológica.

Na Holanda, a Igreja Cristã Reformada (livre) separou-se da velha Igreja Reformada. Em 1900, cerca da metade da população estava filiada às igrejas reformadas. Na Suíça, a proporção de católicos e protestantes era igual à do século 16, havendo três-quintos de protestantes. Em 1874, a constituição federal consagrou a plena liberdade de culto, cada cantão tendo a sua própria igreja ou igrejas. Em 1920 seria criada a Federação Eclesiástica Suíça, composta de igrejas cantonais e algumas igrejas livres. Na Escandinávia, a Igreja Luterana continuou a ser a igreja oficial. No final do século 19, também tinham maioria evangélica a Estônia, a Lituânia, a Letônia e a Finlândia (luteranos). Havia minorias protestantes expressivas na Checoslováquia, Hungria, Romênia e Rússia.

1.3 Inglaterra

Na Inglaterra anglicana houve três grandes movimentos religiosos no século 19. O “Movimento Evangélico” foi uma consequência do reavivamento do século anterior, abrangendo a ala evangélica da Igreja Anglicana (“Low Church”) e algumas igrejas livres. O movimento deu grande ênfase à piedade pessoal, ao serviço cristão e a missões, exercendo grande influência. Entre as suas contribuições estão a Escola Dominical, iniciada por Robert Raikes (1735-1811), e o combate ao tráfico de escravos, liderado pelo político William Wilberforce (1759-1833). Os evangélicos produziram notáveis líderes e pregadores como Charles Simeon (1759-1836), pastor em Cambridge; Robert Murray M’Cheyne (1813-1843), na Escócia, falecido com apenas trinta anos, e o batista reformado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892). No início do século, foi pastor em Londres o controvertido presbiteriano escocês Edward Irving (1792-1834), tido como um precursor do movimento carismático. Ver: Alderi S. Matos, “Edward Irving: precursor do movimento carismático na igreja reformada”, Fides Reformata 1:2 (jul.-dez. 1996), p. 5-12.

O “Movimento Liberal” revelou preocupação teológica (sob influência alemã), vigor intelectual, interesse em relacionar a fé com todas as áreas da vida e integridade ética. Seus grandes representantes foram os bispos J. B. Lightfoot (†1889) e B. F. Westcott (†1901). Por sua vez, o “Movimento Anglo-Católico”, centralizado em Oxford, deu ênfase a questões como sucessão apostólica, o magistério da igreja, sacramentos e ritual. John Henry Newman (†1890) e outros anglicanos publicaram os Folhetos Para os Tempos Atuais (1833-1841), expondo as suas ideias. Muitos clérigos aderiram à Igreja Católica, inclusive Newman, que se tornou cardeal.

A segunda metade do século 19 é conhecida como a “era vitoriana” (da rainha Vitória), caracterizada pela revolução industrial e pelo colonialismo. Ao longo do século surgiram na Inglaterra novos grupos como os Irmãos de Plymouth ou Darbistas (c. 1830) e o Exército de Salvação (1878). Em 1900, as igrejas livres tinham tantos membros quanto a igreja oficial.

1.4 Estados Unidos

As Treze Colônias norte-americanas alcançaram a sua independência em 1776 e a Constituição Americana foi aprovada em 1789, consagrando a separação entre a igreja e o estado e a plena liberdade religiosa. Isso, associado à grande diversidade religiosa, resultou no fenômeno do denominacionalismo. Alguns anos mais tarde, teve início o Segundo Grande Despertamento (1801), que produziu o crescimento dramático de muitas denominações, especialmente batistas e metodistas, e o surgimento de movimentos como os “camp meetings” (acampamentos avivalísticos) e as sociedades voluntárias (abolicionismo, educação, missões). Algumas décadas depois, o problema da escravidão levou a divisões de igrejas e à Guerra Civil (1861-1865). Dois evangelistas destacaram-se ao longo do século: o controvertido Charles G. Finney e especialmente Dwight L. Moody (1837-1899).O século 19 também viu o surgimento de novos grupos religiosos como Discípulos de Cristo (1832), Mórmons (1830), Adventistas (1843), Ciência Cristã (1875) e Testemunhas de Jeová (1884).

1.5 Missões modernas

O século 19 foi, no dizer do historiador Kenneth S. Latourette, “o grande século das missões”. Um importante pioneiro foi William Carey (†1834) e a sua Sociedade Missionária Batista (1792). Várias outras agências foram criadas nos anos seguintes, como a Sociedade Missionária de Londres (1795), interdenominacional; a Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras (1810), congregacional; e a União Missionária Batista Americana (1813), com a qual trabalhou Adoniram Judson (1788-1850). O início do século também marcou o surgimento da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804) e da Sociedade Bíblica Americana (1816). Alguns dos grandes missionários do período foram David Livingstone e Robert Moffat (África Central), Robert Morrison e Hudson Taylor (China), Guido Verbeck (Japão) e John Paton (ilhas do Pacífico).

2. O SÉCULO 20

O início do século 20 testemunhou a barbárie da I Guerra Mundial (1914-1918) na Europa cristã. Em 1926, teve início na Alemanha derrotada a ascensão do nacional-socialismo (nazismo). Hitler tornou-se ditador em 1933 e alguns anos depois deflagrou a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). As décadas seguintes foram marcadas pela “guerra fria”, um período de constante tensão ideológica e militar entre o Leste e o Ocidente. Os anos 50 e 60 viram o fim do colonialismo na África e na Ásia.

2.1 A Igreja Católica

Na Europa, ocorreu a separação entre a igreja e o estado em antigos países católicos como a França (1905) e a Espanha (1931-1939, 1978). Na Itália, Benito Mussolini tomou o poder em 1922 e assinou uma concordata com o papa Pio XI em 1929 mediante a qual foi criado o pequeno Estado do Vaticano. A igreja experimentou avanços nas áreas política, educacional, intelectual, social e missionária. Houve o surgimento de novos centros de religiosidade popular, como Lourdes, na França, e Fátima, em Portugal. Uma das personalidades católicas mais famosas do século 20 foi Agnes G. Bojaxhiu (1910-1997), mais conhecida como Madre Teresa de Calcutá, fundadora da Ordem das Missionárias da Caridade (1950).

Um evento marcante foi o Concílio Vaticano II (1962-1965), convocado pelos papas João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978). Esse conclave adotou importantes medidas de renovação litúrgica e de aproximação com outros grupos cristãos. Na esteira do Vaticano II, surgiram dois movimentos católicos com tendências opostas: a renovação carismática nos Estados Unidos e a teologia da libertação na América Latina, que teve como um de seus expoentes o sacerdote brasileiro Leonardo Boff. O século 20 terminou com o pontificado do papa polonês João Paulo II, eleito em 1978, que fez uma reafirmação dos valores tradicionais do catolicismo. João Paulo foi um fervoroso devoto de Maria. Seu escudo pontifício ostentava a letra “M” e as palavras Totus tuus (“todo teu”).

2.2 A Igreja Ortodoxa

Durante boa parte do século, a Igreja Ortodoxa experimentou estagnação na Europa oriental e crescimento nas Américas, devido à imigração. Por suas ligações com o czarismo, a Igreja Russa foi alvo da fúria da Revolução Comunista (1917): muitas igrejas e mosteiros foram destruídos e inúmeros sacerdotes foram executados. Vasili B. Tikhon (†1925), o metropolitano de Moscou, protestou contra as perseguições. Ortodoxos, católicos e batistas do leste europeu resistiram contra o marxismo-leninismo. Nessa resistência, notabilizou-se o escritor e dissidente cristão Alexandr Solzhenitsyn, que escreveu a obra Arquipélago Gulag e recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1970. Em 1989 ocorreu um dos eventos mais marcantes do século: a “queda do muro de Berlim”, sinalizando a derrocada do comunismo e o fim da União Soviética. A Rússia e outros países da região passaram a usufruir de liberdade religiosa, o que levou a um ressurgimento da Igreja Ortodoxa. Atualmente os ortodoxos estão novamente cultivando relações estreitas com os governos e reivindicando a imposição de restrições às missões protestantes, especialmente pentecostais, que trabalham ativamente no leste europeu.

2.3 O Protestantismo

A Alemanha foi palco de acontecimentos especialmente dramáticos devido ao surgimento do nazismo. Em 1921 havia sido criada a Federação das Igrejas Evangélicas, envolvendo a maioria dos protestantes e também algumas igrejas livres. Boa parte dos protestantes, os chamados “cristãos alemães”, apoiaram o regime nazista. A “igreja confessional” opôs-se ao regime, sofrendo a repressão correspondente. O líder mais destacado desse movimento foi o pastor e teólogo Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), que se envolveu com a resistência contra o regime e foi executado em um campo de concentração pouco antes do final da 2ª Guerra Mundial. Outro crítico do nazismo foi o notável teólogo suíço Karl Barth (1886-1968), o criador da neo-ortodoxia e autor da monumental Dogmática Eclesiástica.

Nas primeiras décadas do século o movimento missionário continuou com todo o seu ímpeto. Dois grandes líderes americanos de missões foram o presbiteriano Robert Elliott Speer (1867-1947) e o metodista John Raleigh Mott (1865-1955). Desde meados do século 19, os protestantes europeus e norte-americanos vinham realizando grandes conferências missionárias que produziram uma aproximação cada vez maior entre as igrejas. Em 1910, realizou-se em Edimburgo, na Escócia, a Conferência Missionária Mundial, que acabou sendo o berço do movimento ecumênico. A conferência resultou na criação do Concílio Missionário Internacional (1921), que eventualmente deu origem ao Conselho Mundial de Igrejas, fundado em Amsterdã em 1948. Uma personalidade de grande destaque no cristianismo europeu foi o literato e apologista cristão C. S. Lewis (1898-1963).

Nos Estados Unidos, o início do século 20 testemunhou o surgimento de um dos fenômenos mais extraordinários da história do cristianismo: a eclosão do movimento pentecostal. O pentecostalismo derivou do movimento de santidade (“holiness”), um fruto do metodismo. Os pioneiros pentecostais foram os pastores Charles F. Parham (†1929) e seu discípulo William Seymour (1870-1922), líder do avivamento da Rua Azusa (1906), em Los Angeles, considerado o marco inicial do movimento. Entre as primeiras denominações pentecostais estão a Igreja de Deus, de Cleveland (1906), as Assembleias de Deus (1914) e a Igreja do Evangelho Quadrangular (1927), fundada pela evangelista Aimee Semple McPherson (†1944). O pentecostalismo difundiu-se rapidamente por todo o mundo e hoje congrega a maioria dos protestantes em muitos países, como o Brasil. Os anos 60 veriam o surgimento do movimento carismático, que foi a manifestação de fenômenos pentecostais nas igrejas protestantes históricas e no catolicismo dos Estados Unidos.

O dinâmico protestantismo norte-americano continuou a produzir novas ênfases e movimentos, como foi o caso do Evangelho Social, capitaneado pelo pastor Walter Rauschenbusch (1861-1918). Um importante livro ligado ao movimento foi Em Seus Passos (1896), de Charles M. Sheldon, publicado no Brasil com o título Em Seus Passos que Faria Jesus. Outro grupo expressivo e influente do protestantismo norte-americano são os conservadores. Nos anos 20 ocorreu a célebre controvérsia entre fundamentalistas e modernistas, que afetou principalmente os presbiterianos. Duas das personalidades religiosas mais destacadas do século 20 foram os pastores batistas Billy Graham, o maior evangelista do século, e Martin Luther King Jr. (1929-1968), líder da luta pelos direitos civis dos afro-americanos.

Outro fenômeno religioso marcante do século 20 foi o acentuado declínio do cristianismo no hemisfério norte, especialmente na Europa ocidental, e o seu enorme crescimento no hemisfério sul, o chamado “terceiro mundo”, ou seja, América Latina, África e Ásia. É especialmente significativo o crescimento do cristianismo na África, com o surgimento das chamadas “igrejas africanas independentes”. Na América Latina, a continuarem as atuais taxas de crescimento, dois países terão maioria protestante no século 21: Guatemala e Porto Rico. Alguns dados estatísticos sobre a evolução numérica do cristianismo no século 20 são os seguintes:

Filiação por Bloco Eclesiástico (em milhões)

1900  19701997
Católicos Romanos266689992
Protestantes134288426
Ortodoxos116147215
Outros 974238

Filiação por Continente (em milhões)

190019701997
África9119310
América do Norte60173203
América Latina 60268451
Ásia2090299
Europa369494527
Oceania41520

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Os séculos 19 e 20 foram marcados pelo surgimento de muitas ideologias e filosofias que representaram um enorme desafio para o cristianismo. Entre elas se destacam, no aspecto político, o marxismo, o socialismo e o comunismo; no campo filosófico, o positivismo, o agnosticismo e o existencialismo; na área da ciência, o evolucionismo e a psicanálise freudiana. Presentemente, vemos o crescimento de uma cosmovisão denominada “pós-modernismo”, com toda a sua ênfase no subjetivo e sua tendência para o relativismo, principalmente nos campos da ética e da religião. O conceito de valores ou verdades absolutos vem sendo cada vez mais questionado. Isso exige dos cristãos um renovado compromisso com a fé cristã histórica, ao mesmo tempo em que procuram dar respostas para os problemas e indagações deste início de um novo século e um novo milênio.

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