Este período estendeu-se por quase um século e meio, desde a Paz de Westfália (1648) até o importante marco histórico e ideológico que foi a Revolução Francesa (1789). O período foi caracterizado por um poderoso fenômeno cultural e filosófico, o Iluminismo, com todo o seu questionamento de antigos pressupostos e a criação de uma nova cosmovisão, o que representou um formidável desafio para o cristianismo. A Igreja Católica Romana dessa época é caracterizada como “tridentina” (referente a Trento) e “ultramontana” (= além dos montes, isto é, os Alpes, numa referência à autoridade suprema do papa). Era uma igreja mais estruturada, conservadora e militante. Entre os protestantes essa foi uma época de grande vitalidade, que se manifestou especialmente nas áreas da espiritualidade e missões.
1. ORTODOXIA
O período da Reforma foi marcado pela preocupação dos diferentes grupos em definir com precisão as suas posições teológicas. Como já foi visto, a Igreja Romana explicitou mais plenamente os seus dogmas no Concílio de Trento (1545-1563). Os anglicanos aprovaram o Livro de Oração Comum (1549-52) e os Trinta e Nove Artigos (1563), e os luteranos a Fórmula de Concórdia (1577). Por sua vez, os calvinistas, além dos muitos documentos confessionais que elaboraram no século 16, articularam novas definições doutrinárias no Sínodo de Dort (1618-1619) e na Assembleia de Westminster (1643-1649). Por causa dessa preocupação com a definição e defesa da correta doutrina, o século 17 é referido como o período do “escolasticismo protestante” ou da “ortodoxia protestante”. Essas designações geralmente têm uma conotação depreciativa, apontando para o suposto formalismo e frieza espiritual desse período, o que não é de todo incorreto.
2. RACIONALISMO
O século 17 também testemunhou o surgimento de uma nova atitude intelectual em reação ao dogmatismo e intolerância que muitos percebiam no cristianismo, tanto católico quanto protestante. Esse movimento começou com os humanistas (como Erasmo de Roterdã) e floresceu no período de 1650 a 1800, a chamada “Era da Razão”, que marcou o início do período moderno. As principais ênfases do racionalismo foram a liberdade e dignidade humana, a investigação científica, o questionamento da autoridade e o ceticismo. Seus representantes mais conhecidos foram os filósofos René Descartes (†1650), John Locke (†1704), George Berkeley (†1753) e David Hume (†1776), bem como o cientista cristão Isaac Newton (1642-1727). Outro nome dado ao movimento é Iluminismo (em inglês Enlightenment; em alemão Aufklärung), que revelou um esforço consciente de aplicar a lei da razão aos vários aspectos da vida individual e coletiva.
Curiosamente, apesar de todo o seu ceticismo, os iluministas tinham uma religião, o “deísmo”, também denominada religião natural ou racional. Seu credo era constituído dos seguintes elementos: crença em Deus (Criador e Ser Supremo), valores éticos, bondade humana, progresso, recompensa ou punição futura, suficiência da razão e tolerância religiosa. Por não aceitarem um Deus imanente, que se relaciona com o mundo, os deístas negavam os conceitos de providência, revelação e encarnação. Também negavam a trindade (Cristo foi apenas um grande mestre) e os milagres.
Os principais deístas foram ingleses, alemães e especialmente franceses como Voltaire (†1778), Rousseau (†1778) e os enciclopedistas. Vários líderes da independência norte-americana também foram deístas, como Benjamin Franklin (†1790), Thomas Jefferson (†1826) e John Adams (†1826). O grande filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) também pertence a este período, embora não tenha sido um deísta. Ele afirmou que Deus não pode ser conhecido, mas a sua existência é exigida pela razão prática. Kant deu grande ênfase ao conceito ético do imperativo categórico.
3. ALEMANHA
Nos séculos 17 e 18 houve diversas reações contra o escolasticismo luterano, o tradicionalismo e a interferência política na vida da igreja. Um exemplo disso foram os místicos e músicos como Johann Sebastian Bach (†1750). Todavia, o grande movimento de revitalização espiritual ocorrido no luteranismo alemão foi o pietismo. O iniciador do movimento foi o pastor Philip Spener (1635-1705), que em 1670 começou a promover reuniões domésticas para meditação e oração. Em 1675, Spener publicou a obra Pia Desideria (“Desejos piedosos”), na qual defendeu a necessidade de reformas na igreja e deu ênfase à devoção pessoal e a atividades em pequenos grupos. August H. Francke (1663-1727), seu discípulo, tornou a cidade de Halle, na Saxônia, um grande centro do pietismo (1692), criando um orfanato, um hospital, escolas e imprensa, bem como uma importante universidade.
O movimento desde o início preocupou-se com missões e ampliou a sua influência por meio de amplos contatos internacionais. Um personagem chave alcançado pelo pietismo foi o conde Nicolau Ludwig von Zinzendorf (1700-1760), um cristão profundamente consagrado. A comunidade cristã estabelecida em sua propriedade (Herrnhut) recebeu um grupo de refugiados morávios e deu origem à Igreja Morávia, da qual Zinzendorf se tornou o primeiro bispo. Sob sua hábil liderança, foi empreendido um extraordinário esforço missionário em várias regiões do mundo. Eventualmente, os morávios foram para a Pensilvânia, nos Estados Unidos.
O pietismo dava grande ênfase à devoção pessoal, à experiência e aos sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e ritual. Também enfatizou a necessidade de conversão pessoal, o sacerdócio de todos os crentes, o estudo das Escrituras e um cristianismo prático. Outras ênfases foram a união dos cristãos, a escatologia e o milenarismo. Apesar de sua insistência nos sentimentos e na experiência religiosa, o pietismo não desprezou o conhecimento, produzindo intelectuais respeitados como o historiador da igreja Gottfried Arnold (†1714) e o erudito bíblico Johann A. Bengel (†1752). Todavia, a pequena preocupação doutrinária causou sérios problemas para o legado do movimento.
4. INGLATERRA
Na Inglaterra ocorreu um acentuado declínio do anglicanismo no século 17, em virtude do controle estatal e da influência do secularismo e do deísmo. No século seguinte, houve um movimento de revitalização liderado por herdeiros dos puritanos. Os chamados “evangélicos” acentuavam a conversão pessoal, a salvação pela graça e a moralidade, revelando em tudo uma clara ênfase calvinista. Alguns personagens destacados foram Henry Venn (†1797), William Romaine (†1795) e o grande autor de hinos John Newton (†1807). Uma característica do movimento evangélico foi a rica produção de músicas sacras.
Outro notável movimento de revitalização do protestantismo inglês foi o metodismo, criado pelo ministro anglicano John Wesley (1703-1791). Ele, seu irmão Charles e alguns amigos fundaram o “clube santo” de Oxford para o cultivo da vida espiritual. Depois de uma experiência missionária fracassada na América, Wesley retornou à Inglaterra, foi influenciado por morávios e teve a célebre experiência de conversão na rua Aldersgate (1738). Logo depois, visitou Herrnhut e conheceu Zinzendorf. Tornou-se então um grande pregador, evangelista, escritor e organizador. Na teologia, afastou-se do calvinismo que há muito vinha sendo influente no seu país e adotou uma posição arminiana, dando ênfase à livre escolha da salvação e à inteira santificação. Outra figura notável foi o calvinista George Whitefield (1714-1770), inicialmente um companheiro de Wesley. Ele destacou-se como extraordinário pregador e evangelista, fazendo várias viagens à América do Norte e influenciando o Grande Despertamento das colônias americanas (1740).
5. MISSÕES
Os séculos 16 e 17 testemunharam intensa atividade missionária transcultural por parte da Igreja Católica, especialmente na Ásia e na América Latina. No Oriente, os principais missionários foram os jesuítas. No Japão, um grande pioneiro foi Francisco Xavier (†1552), o “apóstolo” das Índias (1542) e do Japão (1549). Nesse país, o cristianismo experimentou grandes perseguições após 1587. Na China trabalhou Mateus Ricci (†1610), cujos métodos missionários produziram muita controvérsia e a acusação de sincretismo. Na Índia destacou-se Roberto de Nobili (†1656), que trabalhou entre os brâmanes. O trabalho missionário sistemático nas Filipinas começou com o padre Legaspi em 1564.
Devido a uma série de circunstâncias, os protestantes pouco fizeram em termos de missões aos pagãos nos séculos 16 e 17. As primeiras sociedades missionárias protestantes foram a Companhia para a Propagação do Evangelho na Nova Inglaterra (1649), a Sociedade para a Promoção do Conhecimento Cristão (SPCK, 1698) e a Sociedade para a Propagação do Evangelho em Regiões Estrangeiras (1702). Outro esforço pioneiro foi a Missão Dinamarquesa-Halle, uma associação entre luteranos pietistas e o rei da Dinamarca. Em 1705, essa missão enviou Bartolomeu Ziegenbalg (1683-1719) e Henrique Plütschau (1678-1747) como missionários à Índia. A Bíblia na língua tamil foi publicada em 1728. O norueguês Hans Egede (†1758) foi missionário na Groenlândia. Todavia, o movimento missionário protestante em larga escala só teria início com o pastor inglês William Carey (1761-1834), tido como o “pai das missões modernas”, e a Sociedade Missionária Batista, criada em 1792.
6. A AMÉRICA
Os primeiros colonizadores ingleses da América do Norte foram os anglicanos que fundaram Jamestown, na Virgínia, em 1607. Alguns anos depois, chegaram a Plymouth, Massachusetts, os peregrinos do navio Mayflower (1620), que eram puritanos separatistas. Outro grupo de puritanos, esses não-separatistas, fundou Salem e Boston em 1629-1630. Até 1640, cerca de vinte mil puritanos iriam para a Nova Inglaterra, fundando a Igreja Congregacional. Os batistas estabeleceram-se na pequena colônia de Rhode Island, cuja capital, Providence, foi fundada por Roger Williams (†1683).
Os presbiterianos escoceses-irlandeses fixaram-se em grande parte nas colônias centrais (Nova Jersey, Pensilvânia, Virgínia). Sob a liderança de Francis Mackemie, foi fundado em 1706 o Presbitério de Filadélfia. O Sínodo de Filadélfia surgiu em 1716 e a Assembleia Geral da |Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América em 1788. Os metodistas foram organizados em 1773 por Francis Asbury. Os quakers e outros refugiados religiosos radicaram-se na Pensilvânia, colônia fundada por William Penn em 1682. Os católicos concentraram-se em Maryland, colônia criada por Lord Baltimore.
Os calvinistas foram pioneiros em diversas áreas da vida religiosa das Treze Colônias. O primeiro missionário aos indígenas foi John Eliot (1604-1690), pastor congregacional em Roxbury, Massachusetts. Ele traduziu o Novo Testamento para a língua algonquim, tradução essa que foi a primeira nas Américas. Na ilha de Martha’s Vineyard trabalharam entre os indígenas várias gerações da família Mayhew (1646-1806). Outro famoso missionário aos índios norte-americanos foi o jovem David Brainerd, falecido em 1747, noivo de uma das filhas de Jonathan Edwards, que escreveu a sua biografia.
O maior fenômeno religioso das Treze Colônias foi o Primeiro Grande Despertamento (1727-1743). Alguns de seus líderes iniciais foram o reformado holandês Theodore Frelinghuysen e o presbiteriano William Tennent. Porém, seus maiores expoentes foram o evangelista George Whitefield, já mencionado, e Jonathan Edwards (1703-1758), pastor congregacional em Northampton, Massachusetts. Edwards, um calvinista convicto, notabilizou-se por suas análises e descrições extremamente perspicazes do avivamento e é hoje considerado um dos maiores teólogos norte-americanos.
7. A IGREJA ORTODOXA
A igreja grega ou oriental sofreu um duro golpe com a queda de Constantinopla diante dos turcos, em 1453. Seu único teólogo notável por dois séculos foi Cirilo Lucar (†1638), que sofreu influências calvinistas e foi condenado pelo Sínodo de Jerusalém (1672). Esse sínodo afirmou posições semelhantes às do catolicismo tridentino. A igreja ortodoxa da Rússia foi controlada e oprimida pelos czares (= césares), especialmente os Romanovs. O Patriarcado de Moscou foi criado em 1588. A igreja russa revelou duas tendências opostas: de um lado, rigidez e formalismo (discutiu-se se o sinal da cruz devia ser feito com dois ou três dedos); de outro lado, reavivamento e vitalidade (misticismo, influência do pietismo alemão). Um grupo interessante de igrejas do Oriente Médio e do leste europeu são os “uniatas”, igrejas orientais que se uniram a Roma, mantendo características próprias.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Um aspecto interessante da história da igreja é o seu movimento pendular, ou seja, de ação e reação. Isso fica bem claro neste período, em que uma ênfase inicial no intelecto e na razão (ortodoxia, racionalismo) gerou uma reação oposta centrada na experiência e no sentimento (pietismo, avivamentos). Todavia, esses elementos não precisam ser opostos, irreconciliáveis. É possível, e mesmo desejável, ser um cristão fervoroso, piedoso, e ao mesmo tempo valorizar a cultura e o intelecto, pois Deus é o autor de ambas, a razão e a emoção, e devemos cultuá-lo e servi-lo com essas duas dimensões complementares da nossa personalidade. Sobre isso, ver: Alderi S. Matos, “Jonathan Edwards: teólogo do coração e do intelecto”, Fides Reformata 3:1 (jan.-jun. 1998), p. 72-86.
Os grandes avivamentos deste período revelam outra realidade importante. A genuína experiência religiosa transcende o plano pessoal e individual para alcançar e beneficiar toda a sociedade. Pietistas, evangélicos, metodistas e outros grupos acentuavam a necessidade de conversão e comunhão com Deus, mas também se envolveram amplamente em atividades como educação, ação social e missões.